Entrevistas

Entrevistas: Silva G & K.Otic

Verdadeira incubadora de talentos musicais e não só a Ericeira vai deixando a descoberto o que de melhor se faz por cá. Estávamos em 1997 e com poucos meses de diferença viram a luz do dia a 17 de Fevereiro nasceu o Pedro “Silva G” Silva e a 20 de Setembro nasceu o Alexandre “K.Otic” Diogo. Apesar de jagozes de gema só se conheceram na escola primária, seguindo sempre juntos e na mesma turma desde aí até ao 11º ano, só ficando em turmas diferentes no 12º ano. Após isso, enquanto Silva G tira um ano sabático, o K tenta a sua sorte na Faculdade de Letras mas acaba por desistir. Acabam por voltar a encontrar-se na ETIC onde ambos tiram o Curso de Produção e Criação Musical.

Como e quando surgiu o chamamento para a música?

Desde que nos lembramos sempre gostámos de música. Na escola básica da Ericeira o K tinha uma banda com 3 colegas nossos onde era baterista, e nessa mesma altura até tivemos aulas de guitarra juntos, e chegámos a actuar várias vezes juntos em projetos da escola, eu na guitarra e ele na bateria. Mas assim que descobri o hip-hop, nunca mais peguei em nenhum instrumento, descobri a minha paixão nas rimas e batidas.

Como foram os primeiros passos?

Eu já escrevia poemas nas aulas, sempre gostei de brincar com as palavras, com a ambição de um dia fazer daquilo música. Mais tarde lá tive oportunidade em casa de um amigo, e com um microfone no roupeiro gravei o meu primeiro som. Desde aí nunca mais parei de gravar ou de escrever. O K também nunca parou com a música e quando a
banda se separou, começou-se também a aventurar pelo hip-hop, mas na parte instrumental, os beats. Eu como até então só tinha escrito em cima de beats que encontrava na internet, foi só juntar o útil ao agradável e começámos a trabalhar juntos.

E porquê o estilo rap?

O rap entrou na minha vida por volta dos meus 9 anos de idade, quando a minha tia me ofereceu um CD do Boss AC, o “Ritmo, Amor e Palavras”. Ouvia esse CD em repeat durante horas a fio, o que suscitou o meu interesse para ir conhecer mais música deste estilo, e foi aí que descobri artistas como Sam The Kid, Halloween, Valete, entre outros.
Sempre me identifiquei bastante com a mensagem que era transmitida por estes artistas e fui sentindo cada vez mais a necessidade de me exprimir dessa forma.

Fundaram uma editora, como surgiu a ideia e como está a correr?

Durante o curso na ETIC já juntávamos forças em quase tudo como trabalhos, apresentações em conjunto e até boleias para Lisboa. A este ponto era inevitável a criação de um projeto a dois, e como um dos projetos do curso era criar uma música do zero, nós aproveitámos e criámos logo um canal de YouTube onde divulgámos a que acabou por ser a nossa primeira faixa, “Dá-me Lume”. O canal precisava de um nome e esse acabou por surgir naturalmente, Cash Rules, por ser um termo que sempre esteve presente na música que ouvíamos e fazia sentido, enquanto ao mesmo tempo é um nome simples e eficaz que fica no ouvido. Até agora temos 3 artistas no lote da editora, eu e o K.Otic, os dois fundadores, e o Vato, uma das pessoas que conhecemos neste percurso.
Começámos a conviver várias vezes em Almada, que é a terra dele, e acabámos por formalizar o convite para ele se juntar a nós neste projeto e ser assim o primeiro artista (de muitos, esperemos) a fazê-lo.

Já gravaram algum disco?

Gravámos 2 EP’s (Aviso Prévio, em 2019, e C.R.E.A.M. & Castigo, em 2020) e 2 singles (Desde Puto, em 2020 e Diamante, em 2021) que saíram só digitalmente, em todas as plataformas de streaming, como Spotify, Apple Music, Deezer, Tidal… Também podem comprar a nossa música no iTunes e Amazon Music, entre outros. Temos contido a nossa vontade de lançar um projeto físico até ao lançamento do nosso primeiro álbum, pois preferimos esperar para
termos um maior reconhecimento e termos a certeza que vai ter o retorno que queremos. Temos a noção que o mercado de música em formato físico, como CD ou vinil, já não é o que era há uns anos e comprar projetos com menos de 6 faixas não era algo que eu faria enquanto consumidor, logo também não me sentiria bem a fazê-lo enquanto artista.
Em 2019 também começámos uma série de Cyphers, com o lançamento de Cash Rules Cypher #1, projeto onde juntamos vários rappers para rimarmos todos por cima do mesmo beat do K.Otic. A segunda edição deverá estar finalizada muito em breve, com vídeo disponível no YouTube e áudio nas plataformas que referimos acima.

Em tempos de pandemia e com a música e a arte em geral a passar por momentos muito apertados, conseguem viver só da música ou a exemplo de outros músicos têm que ter outro meio de subsistência?

Obviamente não estamos a viver em circunstâncias normais, muito menos fáceis mas nunca nos passou pela cabeça fazer música só para ganhar dinheiro, a nossa motivação sempre foi muito mais para além disso. Tanto eu como o K vivemos do rendimento do nosso trabalho e tudo o que ganhamos com a música serve para investirmos e tentar elevar a nossa qualidade ao máximo. Claro que se surgir a oportunidade de conseguir fazer vida disto era a primeira
coisa que faria e seria a recompensa destes anos todos de dedicação, mas até lá trabalhamos os dois na restauração e vamos vivendo assim, dividindo o nosso tempo entre o trabalho e a música.

Quanto a exemplos de músicos, quais os que seguem no estrangeiro e por cá?

Vamos sempre descobrindo novas músicas e artistas. Desde os tempos de escola que quando um de nós descobria algo novo ia logo mostrar ao outro, sempre à procura de inspiração de sítios diferente. Mas claro que há aquelas referências que ficam e acabamos sempre por lá voltar, no nosso caso não há nada mais clássico do que Wu-Tang Clan, Biggie, Mobb Deep, Tupac, Nas ou MF DOOM. Produtores como J Dilla, Madlib ou The Alchemist também
inspiram e acabam todos por contribuir para a nossa sonoridade. Por cá também temos algumas referências, tanto a nível musical como pessoal, Sam The Kid, Álcool Club, Ferry e Dealema são algumas delas.

Falecido recentemente, DMX era considerado um dos melhores rappers de todos os tempos a nível mundial, concordas?

DMX foi sem dúvida uma grande perda não só para a cultura hip-hop mas para a música em geral. É mais
um exemplo de que quando partimos, as únicas coisas que ficam são a nossa arte e as memórias que deixamos
nas pessoas. Para além dele, o ano passado também nos deixou o rapper MF DOOM, um artista que para nós sempre foi das maiores referências, tanto a nível de escrita e performance como na produção.

Quais as vossas ambições para o futuro?

A nossa grande ambição é conseguir nunca parar de fazer música, independentemente de qualquer outro tipo de trabalho que possamos exercer a música e as nossas horas de estúdio serão sempre a nossa prioridade.
Dentro da Cash Rules, esperamos que se torne uma editora de referência no nosso país, e quem sabe até lá fora, com lançamentos novos regularmente dos vários artistas que esperamos vir a contratar no futuro. Como Silva G & K.Otic tencionamos ir lançando singles até finalizarmos o grande projeto que vai ser um primeiro álbum.

E para quando um concerto na Ericeira?

Curiosamente, apesar de termos percorrido o país de Norte a Sul, como convidados ou em nome próprio, nunca tivemos oportunidade de actuar nossa terra natal. Seria sem dúvida lisonjeante e quando chegar o dia vai ser um concerto muito especial, e esperamos atenciosamente por um convite!