Entrevistas Geral

Requiem para a última livraria do Concelho de Mafra

José António Martins Bento, é uma figura, diríamos incontornável e que faz parte “dos móveis” de tudo o que surge como iniciativa popular, cultural ou politica em Mafra. Lá está sempre na linha da frente. O seu peculiar discurso, lento e soletrado, é por si só uma imagem de marca. Não é como a gaguez da nova deputada mas tem contornos de alguma semelhança pois garante uma certa calmia sem ansiedade. Com simpatia e delicadeza vai “vendendo” as suas ideias. E há um ror de anos ligado à comercialização de livros, um negócio em vias de extinção, pelo menos por aqui pelas nossas bandas.

Claro que o mistério subsiste – Editam-se livros todos os dias e as livrarias desaparecem?
Mas de facto, os supermercados, os correios, e até a internet lutam por ocupar o espaço das antigas livrarias, mas o charme do atendimento personalizado, das conversas sobre livros, poetas e escritores, e da política local… não pode ser substituído apesar do vil metal prevalecer e tudo poder comprar.
Hoje o supermercado e até os correios para venderem um livro e à consignação, exigem 50% do preço de capa – o que se trata de valor não compatível com tiragens modestas, ou de edições não comerciais.
Logo, incomportável para os pequenos editores regionais. Restam as tabacarias (com falta de espaço de exposição) , os lançamentos dos novos livros, a organização de tertúlias e os apoios institucionais e as vendas por assinaturas ou diretamente nos sites. O Mestre José António, livreiro há cinquenta anos, hoje apenas a trabalhar com a esposa que é uma simpatia Maria Fernanda, prepara, com alguma tristeza, encaixotando muita mercadoria para o fim deste projeto para o final deste ano. Vai encerrar a sua livraria 77.

Quem é o José António?
Nasci em 1941 a 11 de Fevereiro, exatamente quatro dias antes do grande ciclone, e na cidade de Torres Vedras.

Quando veio para Mafra?
Vim para Mafra há 50 anos, para ser exato, acrescento… e meio. Vim fazer uma missão dupla – preparar tudo para dar o passo em frente para o matrimónio e trabalhar. Casei a 10 de Agosto de 1969 com Maria Fernanda Ferreira Bento, que nasceu a 27 de Julho de 1949 aqui em Mafra.

E como foi o inicio da sua atividade?
Vim para Mafra e iniciei a minha atividade na ELO. Empresa que funcionava em grande na produção gráfica, livros e outras obras e que se ramificava em outras atividades do sector tais como material didático e escolar. Na altura na ELO Tabacaria e Livraria que era na Rua José Maria da Costa, 42, aqui em Mafra. Tentei por uma questão de evolução, arranjar espaços maiores e frente ao Palácio. Das duas hipóteses de novos espaços propostos por mim para expandir a Livraria, foram sempre rejeitados…Na terceira tentativa, como diz o português – à terceira é de vez – já não admiti a rejeição e aproveitei para mim…e eu avancei só, 1977 aqui onde estamos. Com armazém na cave e chegámos a ser, durante quase 20 anos, a mais importante livraria no concelho para os chamados livros escolares criando postos de trabalho para 6 colaboradores. Abrimos nessa altura uma nova loja frente à antiga junta de freguesia que ainda existe, estando hoje à frente uma antiga nossa colaboradora com quem chegámos a acordo.

Decide-se ao fim de 50 anos pelo encerramento da única livraria em Mafra?
Encerrar esta atividade, é assunto seriamente ponderado e são vários os motivos que nos levam a esta situação: Por um lado, os anos, o cansaço, e a consciência clara da nossa desatualização em relação às novas tecnologias, e ainda as variações que se operaram nesta atividade com a verdadeira transformação do mundo livreiro – Os monopólios, o livro que deixou a sua função especifica – o seu papel único de ser importante agente da cultura e passar a ser um número, e por ultimo somos confrontados com a a nova exigência que a partir do final do ano, teremos que ter, tudo passado para o computador, para faturação, controlo de inventário, devoluções, tudo digital, etc.
Neste momento ao tomar esta decisão, até pode surgir algum dado novo, tal como um interessado em modernizar o estabelecimento e evoluir dentro do mesmo ramo, para uma nova livraria que naturalmente é fácil de entender a importância cultural do local e da lacuna que se irá fazer sentir.
Sem sair do tema livraria, não podemos dissociar que no caso pessoal o José António é um interveniente social importante.

Como nos explica essa sua atividade?
Com a exceção do futebol do Clube Desportivo de Mafra passei praticamente por todas as associações desta Vila. Bombeiros Voluntários ; Casa do Povo; Recreio Clube; Associação de Dadores de Sangue, onde sou presidente honorário após vinte e um anos como presidente; Ajudei a criar e a consolidar o Grupo Coral de Mafra, onde colaborei ativamente mais de vinte anos; Participei na Comissão Administrativa da CMM logo após o 25 de Abril; Estive na Assembleia Municipal; Agora estou desativado… Afastei-me voluntariamente de tudo, e da política ativa, pois políticos somos todos enquanto vivermos. Muita gente diz que não é politico e nada tem a ver com a politica…mas é mentira …Essa é por si só – uma atitude politica quando o diz.

E quando se deu o 25 de Abril aqui no centro nevrálgico da Vila conte-nos como foi a sua intervenção?
Eu penso que a idade que tinha na altura, a euforia e o entusiasmo, não sendo por feitio muito expansivo, aderi, participei em muito do que se passava…Palmilhei Mafra, aldeia por aldeia, falando e ouvindo com muitas pessoas, reunindo com elas, para que indicassem nomes para a assembleia de freguesia e depois o mesmo pelo concelho…
Após estar ausente, quando regressei vi e com alegre surpresa, o meu nome indicado com outros a ser submetido em plenário, numa lista para a comissão administrativa da CMM… foi o que sucedeu…

Curiosidades em Assembleias onde infelizmente as pessoas não vão nem intervêm

  • Nos Bombeiros tive as intervenções que na altura, em tempo e oportunidade, me pareceram pertinentes a cada momento… era secretário da assembleia-geral, e como foi o caso de o aparecimento de um “panfleto clandestino”, que não sei se tinha ou não fundamento, sobre os Bombeiros se recusarem a socorrer uma vaca que teria caído a um poço…Tudo muito alterado, dada a Assembleia ser oportuna para esclarecimento público…a casa super cheia…tudo prometia um ambiente quente de discussão…ilusão total, o mais pacifico que era possível, e no final antes do termino …peço a palavra ao Sr Presidente da Assembleia e disse – esperava que finalmente hoje tivéssemos uma assembleia participada, com dinâmicas, e onde haveria de sair alguns esclarecimentos de coisas que circularam por aí… Esperava que houvesse alguma dinâmica quente… O que há de verdade em relação a isto…? O Sr. presidente da mesa responde que ignora e dá a palavra ao presidente da direção… Talvez o Sr. Comandante tenha alguma coisa a esclarecer… diz o presidente… Do Comandante, ouvimos – Eu não tenho nada para dizer – Tenho a porta sempre aberta e sempre disposto a ouvir toda a gente, e por conseguinte nada tenho a responder ou a esclarecer… Ora, Irritei-me, com as respostas, e irado falei mais alto e exclamei : “Aqui e agora tem obrigação de responder, pois aqui é o local certo, está perante o órgão máximo desta Associação… ao qual o senhor deve responder…” Como ninguém esperava, do meu espontâneo protesto, aí se recompuseram as coisas por forma a existirem justificações que todos aguardavam. Esta foi a minha primeira intervenção…
  • Outro momento há cerca de 15 anos nos Bombeiros de Mafra. Acusada por grandes broncas, a direção dos BVM, afastada e imposta uma nova direção (eu provo) que a CMM impôs (com a ameaça de suspender apoios) perante três Listas que existiam para se candidatarem…Nunca se entendeu a verdadeira razão… Uma sala super cheia com fogo cruzado, numa atitude de revolta, nada poupava o ataque ao anterior presidente. Não satisfeito com o que via, eu pedi a palavra:- “É só da minha inteira responsabilidade o que vou dizer…mas pelo que se vê, deu-me a sensação que há já uma corda no vale da forca…para pendurar alguém e desde já, e se isso é verdade… haverá aqui muito mais boa gente para isso… Não sou nem acusação nem defesa…porque ninguém nos fornece dados… terminei dizendo: – É pena que muitas coisas nunca se venham a esclarecer… mas sentado nessa mesa haverá com certeza alguém que reúne as condições para facilmente poder esclarecer… presidente, conselho fiscal, tesoureiro…Ou será que existe o hábito de assinar por cruz?… Silêncio total e até hoje nem comunicados, nem por jornais ou através do Tribunal nada se adiantou… Criticar e acusar sem provas, não está certo…
  • Na 1ª Reunião de Câmara – Era ao tempo o Dr. Brandão Presidente da Comissão Administrativa, e um munícipe da Malveira pergunta quando pode falar sobre…” Sou um pequeno empreiteiro de Construção civil, tenho um projeto nesta Câmara há dois anos, e venho presencialmente saber o que posso fazer para ter a autorização requerida… fiquei por acerto de contas do trabalho realizado com o terreno ao lado, que tinha projeto aprovado e até hoje não obtive nenhuma resposta… “O Dr. Brandão solicitou ao técnico da Câmara que informasse no imediato sobre o projeto… ao que a resposta foi que a zona está considerada na zona urbana da… Esse é o nosso parecer… Mas a câmara decidirá… respondeu o técnico. Interrompeu-se a sessão após o requerente se predispor a deslocar-se ao local com o executivo naquela mesma altura, ali e naquele momento. E lá foram todos, até ao pé da Estação da Malveira ver o espaço ao lado de uma construção já feita… E foi aprovado! Nunca e numa primeira reunião da CMM aconteceu uma interrupção para verificar na hora in loco o problema e a solução. Mas aconteceu mesmo!