1 em cada 6 portugueses pode ter insuficiência cardíaca sem saber. A prevalência aumenta com a idade, mas o estilo de vida ajuda a reduzir os fatores de risco.
A insuficiência cardíaca é uma doença em que “o coração não consegue bombear a quantidade de sangue suficiente para as necessidades do corpo”, explica Nuno Craveiro, cardiologista. O envelhecimento é um dos principais fatores de aumento da doença e Portugal, o quinto país mais envelhecido da Europa, é particularmente atingido. Principalmente quando “90 % dos doentes com insuficiência cardíaca em Portugal não estão diagnosticados”, destaca Fátima Franco, cardiologista.
Como noutras situações clínicas relacionadas com a idade, a procura de um estilo de vida mais saudável, com exercício físico e sem comportamentos de risco, ajuda a evitar o desenvolvimento da insuficiência cardíaca e todos os problemas à volta da doença. Para tratamento, além da medicação adequada, existem intervenções como o cateterismo para o tratamento específico de patologias do coração, sendo essencial um acompanhamento regular. E tão importante como tudo isso é a prevenção da doença, destacam os cardiologistas.
O que caracteriza a insuficiência cardíaca?
A síndrome clínica de insuficiência cardíaca ocorre quando “o sistema cardiovascular mostra a sua incapacidade em fornecer o sangue e os nutrientes ao organismo e tem dois fenótipos, ou seja duas faces”, explica Fátima Franco. Por um lado, “a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, em que há uma incapacidade de o coração acolher todo o volume sanguíneo e bombear”, e, por outro lado, “a insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida, em que o músculo cardíaco, o coração, perde a sua sua força de contração e é incapaz de bombear o sangue”.
Os grupos mais afetados pela insuficiência cardíaca “são, acima de tudo, a população mais envelhecida, que acumula mais fatores de risco ao longo da vida, como a hipertensão, a diabetes e o colesterol”, detalha Nuno Craveiro, “e aquela população que acaba por ser afetada ao longo da vida por um problema cardíaco, seja um enfarte agudo do miocárdio, seja um problema valvular significativo”. Assim, na maioria dos casos, esta doença está associada aos mais velhos, “o que não quer dizer que não haja crianças e jovens com insuficiência cardíaca”, lembra a cardiologista Fátima Franco.
Portugal envelhecido e com poucos diagnósticos
A incidência da insuficiência cardíaca aumenta a partir dos 50 anos, chegando a 16,5 % da população com essa idade. Nuno Craveiro afirma que “a prevalência é superior àquilo que seriam os dados conhecidos, pelo que até um em cada seis portugueses poderá ter insuficiência cardíaca e não saber”. Portugal tem uma prevalência semelhante a outros países, agravada, no entanto, por um maior envelhecimento da população”, destaca Fátima Franco.
A cardiologista lembra ainda que, “em 20 anos, passámos de uma prevalência de 4-5 %, que já era considerada elevada, para 16,5 %. E este aumento de prevalência está relacionado sobretudo com o aumento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada”. Segundo Fátima Franco, esses “são casos de doença que muitas vezes podiam ser evitados”, estando frequentemente associados ao sedentarismo e a um estilo de vida menos voltado para a prevenção.
Por outro lado, também a melhoria dos cuidados de saúde em geral tem influência no aumento da prevalência da insuficiência cardíaca. “Nós tratamos cada vez melhor os doentes com enfarte do miocárdio, hipertensão, doenças valvulares (como a estenose aórtica severa). Portanto, as pessoas que no passado vinham a falecer deste tipo de situações, sobrevivem e acabam por vir a desenvolver insuficiência cardíaca”, explica a cardiologista.
Quais os sintomas da insuficiência cardíaca?
“Falta de ar, fadiga, pernas inchadas e tosse de predomínio noturno” são, de acordo com o cardiologista Nuno Craveiro, algumas das principais queixas de doentes com insuficiência cardíaca. Fátima Franco explica que “90 % desses sintomas” estão relacionados com o que se chama normalmente de congestão, a “sobrecarga de líquidos”. Ou seja, “quando as pernas ficam com edemas (inchaço) ou quando o doente se deita, fica na posição horizontal, e começa a tossir ou a ter falta de ar porque há demasiado líquido dentro dos pulmões”.
Outros sintomas comuns de insuficiência cardíaca são “cansaço, intolerância ao esforço, dispneia de esforço – a pessoa deita-se e fica com falta de ar e tem de se levantar, de ir dormir para o sofá, ou dormir com várias almofadas, em ângulo a 45 graus”. A cardiologista explica ainda que “os idosos podem ter dificuldade em perceber e verbalizar os sintomas, que se podem manifestar como confusão, debilidade, prostração. Nas crianças, também pode não ser fácil perceber” esta doença.
Quais os fatores de risco da insuficiência cardíaca?
“A insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada é mais prevalente no doente idoso e tendencialmente mais nas mulheres, nos doentes obesos, hipertensos, com diabetes”, descreve Fátima Franco, “e a insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida é mais prevalente nos homens – cerca de dois terços são do sexo masculino, e aparece habitualmente em idades mais jovens”.
O cardiologista Nuno Craveiro destaca como fatores de risco “a alimentação desadequada, a existência de tóxicos como o tabaco e o álcool”, sem esquecer as comorbilidades como “hipertensão, diabetes e colesterol elevado”, lembrando ainda como sinal de alerta “uma história familiar de insuficiência cardíaca”.
Uma equipa multidisciplinar no tratamento
Na insuficiência cardíaca, “o papel do cardiologista é fundamental”, indica Nuno Craveiro, lembrando que “à volta do cardiologista temos também as outras especialidades, como a Medicina Interna, a Pneumologia, a Psiquiatria”. Assim, “a insuficiência cardíaca acaba por ter uma abordagem multidisciplinar, com o apoio das equipas de enfermagem, dos técnicos, para dessa forma estabelecermos um plano de tratamento o mais eficaz possível, de forma a tratar e prevenir também o desenvolvimento da doença”.
Como reforça Fátima Franco, “não é só o coração que está doente, o doente também tem diabetes, também tem muitas outras patologias associadas. Então, uma colaboração com Medicina Interna é muito importante”.
Tratar a insuficiência cardíaca
O tratamento da insuficiência cardíaca “passa primeiro por uma educação correta para a doença”, explica Nuno Craveiro, “perceber o que é a doença, como tratá-la e o que devemos evitar”. Assim, é fundamental alterar o estilo de vida, fazer exercício físico regular e “ter atenção a parâmetros como a tensão arterial, o peso e a frequência cardíaca”. Depois, além da medicação adequada, que, segundo o cardiologista, “permite ganhar anos de vida e também qualidade de vida”, existem “intervenções mais especializadas, como a cirurgia, o cateterismo para o tratamento específico de patologias do coração, como são a doença coronária, a doença das artérias do coração, a doença valvular e as arritmias”. Esses procedimentos permitem “identificar de forma mais personalizada aquilo que é o causador da insuficiência cardíaca e tratá-lo adequadamente”.
Nuno Craveiro detalha que o cateterismo é “uma intervenção pela qual, através de um cateter, vamos até ao coração e fazemos a medição de pressões ou fazemos um diagnóstico de doença coronária através de injeção de um contraste apropriado. É um exame essencial na avaliação de muitas patologias cardíacas”. Já o desfibrilhador “é um dispositivo médico implantável, similar a um pacemaker, que fica debaixo da pele e avalia de forma contínua o ritmo cardíaco. Caso exista alguma arritmia maligna, tem a possibilidade de realizar um choque, de forma a interromper aquilo que seria uma morte súbita. Há ainda a melhoria da contração do músculo cardíaco, pela ressincronização cardíaca”.
Em todos os momentos, “o acompanhamento de rotina é essencial naquilo que é a prevenção do desenvolvimento de insuficiência cardíaca”, reforça o cardiologista, acrescentando: “Sabemos que um acompanhamento o mais regular possível permite uma adesão à terapêutica e uma atenção à saúde mais eficazes”. Para Nuno Craveiro, “as pessoas que são seguidas de forma mais regular são aquelas que obtêm depois o maior ganho em saúde”.
A importância do estilo de vida
“O estilo de vida é a pedra basilar de qualquer ganho de saúde, acima de tudo a alimentação, a eliminação do álcool, do tabaco e de todos os tóxicos à nossa volta para que, com exercício físico regular, possamos construir uma vida mais saudável”, salienta Nuno Craveiro.
Fátima Franco refere que “93 % dos casos de insuficiência cardíaca correspondem a fração de ejeção preservada e, muitas vezes, podiam ser evitados”. É essencial “ter uma intervenção muito séria na prevenção cardiovascular, na prevenção dos fatores de risco, e é importante também aumentar a literacia em saúde, explicar às pessoas o que é a insuficiência cardíaca. Toda a gente sabe o que é o cancro, o que é a tuberculose, mas se falarmos na insuficiência cardíaca já é menos claro”.
“A prevenção começa nos bancos da escola. É aí que se ensina a fazer uma alimentação saudável e um gosto pela prática da atividade física, a evitar comportamentos de risco”, alerta a cardiologista. “Se nós queremos ter maior longevidade, temos que assumir a nossa responsabilidade numa vida saudável. E desenvolver ou proteger o nosso comportamento de forma a evitar os comportamentos pouco saudáveis, como o tabaco. Deixar de fumar é das intervenções em termos de prevenção em saúde com maior impacto”.
Fonte: CUF
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