Entrevistas

Entrevistas: O grande Alfredo

Alfredo Rodrigues Ferreira, conhecido no mundo da Bola por Alfredo, nasceu em 12 de Agosto de 1939, na Ericeira. Começou a jogar futebol nos dois campos pelados que existiam onde hoje estão os parques de estacionamento e jardim de São Sebastião ao Norte da Vila da Ericeira frente ao Bairro dos pescadores onde vivia e onde vive, numa casa que gosta de mostrar como uma das suas obras, com as suas próprias mãos, e com a ajuda de familiares, fez de uma casa apertada embora simples, melhorou-a desde a casa de banho ao quarto e sala, que agora tem um espaço mais digno, modernizando-a do chão ao Tecto, o que nada se adivinha do lado exterior, casa igual a todas as outras, de pescadores, no bairro do mesmo nome.

Fomos ao seu encontro, na sua casa, recebeu-nos junto aos troféus e fotos antigas que guarda com estima dos seus tempos de atleta. Não é preciso perguntar muito, pois o Alfredo é um bom conversador.

Então conte-nos lá como começou a sua vida de atleta futebolístico.

A bola era o entretêm, nos intervalos possíveis, quando eu ajudava o meu pai que era Banheiro e concessionário na praia do Sul e onde diariamente colocava, retirava e arrumava as barracas e toldos da praia. Além daquilo que ainda hoje adoro, ir à “malhada”, onde além da parte ocupacional era também uma parte importante para a economia da casa, pois uns polvos acabadinhos de apanhar, faziam, como ainda hoje, sempre jeito.

Ainda tirei o diploma de Nadador Salvador, no tempo em que o meu primo e conhecido Cavalas era muito considerado como Banheiro na praia.

Mas como começou a ser conhecido como jogador de futebol?

Com doze e até aos quinze anos faziam-se “Torneios inter-aldeias” em Ribamar que eram bastante concorridos até em público a assistir. E ali me destaquei, onde era sempre convidado para jogar.

Apareceu alguém, do Lusitano de Évora, na época estival, pois já nessa época aparecia muita gente importante de fora, a passar férias ou a passear pela Ericeira, e procurou-me para lá ir fazer um treino de testes, se eu estivesse interessado. Lá fui com o meu colega Néo Furtado que também queria ir jogar comigo.

Tive azar no dia escolhido, pois o Évora estava com a equipa num estágio em Espanha e só fiz um treino, sem grandes perspectivas, pois o pessoal que decidia não estava lá. Todavia pagaram-me a pensão e as despesas. O pior era o Sr Costa na altura presidente da direcção do Ericeirense, que apesar de nunca ter sido inscrito na Federação, queria sempre dinheiro para me deixar ir jogar para qualquer outro clube.

Já o mesmo aconteceu com o Belenenses. A equipa de Belém veio cá jogar e trouxe o treinador, o famoso Otto Glória*. Convidou-me para lá ir jogar. Estava o Belenenses na altura, no auge com Matateu, Vicente, José Pereira e o Ayuca. Tudo correu bem, mas o Ericeirense pediu 150 contos para me deixar ir.

Ora o Belenenses pagou pelo Ayuca 50 contos e não ia pagar por um desconhecido como eu ainda mais dinheiro…

Tenho na minha triste memória, que a terra que me viu nascer e crescer, nunca me tratou bem. Ou não me deixava sair, ou não me dava condições para cá ficar, pois na altura o importante já nem era o que pagavam, pois era pouco, mas um emprego minimamente aceitável. Isso no fundo era o que toda a rapaziada da bola queria. 

Apareceu uma oportunidade para o Torreense e fui eu e o Néo outra vez. Aparecia logo o Sr. Costa com a mesma conversa, a querer dinheiro para o Ericeirense. Palavra, puxa palavra, e acabou tudo numas chapadas. Como não havia inscrições na Federação nada havia a pagar.

O Torreense, ao contrário do Ericeirense, tenho de confessar, deu-me tudo. Ainda hoje só tenho a agradecer, convidam-me para tudo o que vai acontecendo. Sinto-me fazer parte da família…

E atenção, eu vivo aqui na Ericeira porque amo a minha Ericeira.

Mas então conte-nos lá o que o que é que o Torreense lhe deu…

Tive a sorte de ir para lá jogar quando o Torreense estava na 2ª divisão, portanto ajudei, nas minhas possibilidades, como defesa esquerda, a subir para a categoria principal 1ª Divisão Nacional 1963/64. Nesta altura aleijei-me no joelho com uma rotura de ligamentos. Tratou-me o Dr José Maria Antunes durante 4 ou 5 meses. E na época o tratamento era a imobilização com a perna em gesso.

Felizmente como fazia diariamente de bicicleta o trajecto de Santa Cruz para Torres, ida e volta, foi também um tratamento como seria hoje chamado de fisioterapia. O que me ajudou bastante.

Esta foi a razão que tive de faltar alguns jogos, jogando apenas os últimos 5 jogos da época. Mas sem dúvida foram uns tempos áureos do Torreense e para mim.

Conte lá bem como foi para si essa época.

Os jogadores no Torrense ganhavam naquela altura cerca de 750 escudos mais prémios. Mas o mais importante era o espírito de colaboração/ajuda da Direção que proporcionava futuro aos jogadores, propondo empregos para aqueles que pretendiam ter uma vida social mais estável.

Começaram por me proporcionar ir trabalhar na Casa Hipólito onde lá estive quatro anos. Ainda me proporcionaram trabalhar nos Serviços Municipalizados quando ainda se contava a luz e cobrava, o que viria mais tarde a pertencer à EDP da qual hoje, felizmente, estou reformado. A isso tudo devo ao Torriense.

A minha carreira no Torreense mesmo depois de ser jogador não acabou logo. Fiquei sempre ligado ao Clube, até como treinador das camadas jovens durante muitos anos. Sempre me trataram com muito carinho.

A minha festa de despedida que a Direcção do Clube e uma Comissão que em boa hora organizaram, foi em 6 de Junho de 1973. Conseguiram fundos (55 contos), que me deram, na altura, a possibilidade de comprar um automóvel, além de uma particular e profunda sensação do dever cumprido. Ver o estádio cheio e com tantas flores, ofertas e abraços. Ainda hoje me comovo quando me vem à memória, com muita saudade, uma das melhores coisas boas da minha vida. Haverá melhor coisa do que ser reconhecido por algo que fizemos?

Conversa conduzida por Helder Martins

* Otaviano Martins Glória, mais conhecido por Otto Glória , nasceu no Rio de Janeiro a 9 de Janeiro de 1917 e faleceu no Rio de Janeiro, a 4 de Setembro de 1986, foi um técnico brasileiro de futebol Dirigiu as equipas da Portuguesa de São Paulo e do Vasco do Rio de Janeiro, o Benfica, o Belenenses, o Futebol Clube do Porto e Sporting em Portugal, assim como a própria Seleção Portuguesa, em França o Olímpico de Marselha e em Espanha o Atlético de Madrid. Foi o técnico da seleção portuguesa que disputou a Copa do Mundo em 1966, alcançando o 3º lugar .