Opinião

de São Tomé, Natal de 1995

Crónica semanal de Nuno Pereira da Silva

Em São Tomé cidade capital, todas as tardes no bar do Hotel conhecido por passante, frente ao mar, bebericávamos uma cerveja e apreciávamos o calmo e quente mar, como só o consegue ser no Equador.

Muitas vezes nessas ocasiões de lazer,  levantavam-se subitamente e sem aparente explicação ventos ciclónicos, que nos obrigavam a refugiar dentro do Hotel, e que tal como apareciam, desapareciam,  como um ai que se lhes dava, deixando as váriasfrágeis  lacustres casas de madeira,que a maioria da população da cidade-capital e do território habita, destelhadas, pois os seus  telhados de  chapas de zinco compostos,  fragilmente pregadas com ferrugentos pregos em podres tábuas de madeira , que o  tempo e a humidade tropical  vão leve-leve (devagarinho) corroendo, muitas das vezes não suportavam a fúria das rajadas ciclónicas das tropicais tempestades.

As lacustres e paupérrimas  casas de madeira  apoiavam-se sempre  em cima de altos  pilares de frágil madeira , estando por isso sempre  preparadas, para por baixo delas passarem as enxurradas de água, jorradas em catadupa do céu, como se  este de repente fosse sobre elas desabar, e para nos dias calmos servir de abrigo a  algumas cabras, porcos e galinhas dos seus donos, que  à solta passeiam pelas estradas e algumas praias da cidade e suas redondezas.

Numa das tardes de passante, perto do Natal, deparei-me  a comprar artesanato, para oferecer nas festas à família e aos  amigos, e a   discutir os já de si baixos preços  desses produtos ,  com um dos miúdos dos  bandos de miúdos, que normalmente assolavam o bar em busca de ganhar umas dobras para poderem ajudar as pobres famílias no seu sustento.

Nesse particular dia  senti-me o avarento da história,  “Um conto de natal” de Charles Dickens, ao constatar o  ponto a que  tinha chegado a minha avareza,  ao  querer   rebaixaros preços já de si baixos do artesanato , uns míseros cêntimos, que me não faziam falta nenhuma , mas que para os miúdos que vendiam diariamente o artesanato local  e suas famílias, eram essenciais, pois aos preços locais dariam para os sustentar  e à a sua família por uns dias.

Esta perceção que tive, nesse dia, de que uns míseros cêntimos podem fazer a diferença na vida dos outros, calou tão fundo   na minha consciência que atualmente, e passados que foram cerca de trinta anos, dedico parte da minha vida a angariar fundos para Instituições e Organizações  de solidariedade em Portugal e na África Lusófona, pertencendo inclusive  inclusive aos  corpos sociais de uma associação, com sede em Mafra, a AFIM, que com cerca de dez mil Euros por ano,  consegue manter de pé dez escolas nas cercanias da  Ilha de Moçambique, e alimentar cerca de quatrocentas crianças com uma refeição quente por dia.

Quero com estas minhas parcas linhas ajudar os leitores deste jornal a reflectir sobre a importância da solidariedade e da relevância que uma pequena contribuição pode fazer na vida dos outros ,  por último aproveito para desejar a todos os leitores deste jornal um Santo Natal.

Nuno Pereira da Silva

Acerca do autor

Nuno Pereira da Silva

Coronel de Infantaria na Reserva

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