Opinião

O Centenário do PCP

A primeira vez na vida, de que me lembro de ter visto uma referência escrita a um comunista, foi no livro Dom Camilo e seu Pequeno Mundo da autoria de Giovanni Guarechi. O romance passava-se numa aldeia em Itália, e relatava a vida de Dom Camilo, o pároco de aldeia, que se entrecruzava com a do Peppone, o Presidente da Junta de Freguesia, um comunista.

Na sequência da leitura do livro, recordo-me de, muitos anos antes do 25 de Abril, ter questionado o meu pai sobre o que era um comunista e ter recebido uma não resposta que muito me intrigou, pois imediatamente, o meu pai em pânico e me respondeu que esse assunto não era um assunto para crianças.

Quando se deu o 25 de Abril, o PCP, partido que ora comemora o seu centenário, saiu da clandestinidade, a que a ditadura do Estado-novo o tinha condenado, e surgiu como o único partido verdadeiramente organizado e estruturado para poder tomar o poder, muito embora
já existisse o PS, criado por Mário Soares, um dissidente do PCP, este na altura não tinha uma organização estruturada, uma máquina oleada, pois não era ainda tutelado por nenhuma das duas superpotências mundiais, a URSS e os USA, tendo-o sido mais tarde, pelos norte-americanos liderados por Carluci, pouco antes do 25 de novembro de 1975.

Após o golpe militar do 25 de Abril, o PCP apoiado pela URSS, tentou alcançar o poder, ou seja, tentou e conseguiu penetrar na Instituição Militar, e participou em todos os Governos provisórios saídos do golpe, foi um período revolucionário designado por PREC que, durou entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, ou seja, um período muito curto, em termos temporais, mas de muito má memória, pois o país esteve quase a sair de uma opressiva ditadura de direita, que durou quase meio-século, para uma ditadura do proletariado, digamos que, semelhante em opressão e terror, mas de sinal contrário.

Claro que a extrema-direita, derrotada, teve que se exilar e passar à clandestinidade, tendo só, recentemente, passados que foram quase cinquenta anos, reaparecido renovada e recauchutada, num partido de seu nome Chega, com uma ideologia que, na sua essência também não traz boas recordações ao povo português, sendo algo que podemos classificar
como um partido neo-salazarento, de má-memória.

O PCP é o único partido comunista ortodoxo que resta na Europa, após a queda do muro de Berlim, mantendo a sua ideologia expressa na sua base programática, quase incólume ao longo do seu século de existência, constituindo-se como um notável caso de estudo de arqueologia política a nível mundial, pois adaptou-se bem à idiossincrasia portuguesa, muito embora com cada vez menos expressão eleitoral.

O PCP tem-se apresentado em eleições, nas últimas décadas, travestido de uma coligação onde o seu símbolo gráfico, a foice e o martelo, embora presentes, estão num segundo plano com outras cores e dissimulado, no meio entre do símbolo de outro partido satélite, e de um
símbolo inócuo da coligação numa, em minha opinião, falhada tentativa de dissimular as suas origens, e de não ficar associado a uma imagem não muito favorável da extinta URSS.

Com o centenário do partido reapareceram estranhamente por todo o país as bandeiras comunistas, com a foice e o martelo, talvez como uma manifestação identitária revisionista para recuperar algum eleitorado, numa altura em que a CDU, tem vindo a perder eleitores, pois quem não tem orgulho na sua simbologia, também não é digno de confiança.

Nuno Pereira da Silva

Coronel de Infantaria na Reserva