O Carlos Sousa faz anos.
Está de parabéns. Estando ele de parabéns estamos nós também. E estamos, porque temos a sorte de o ter conhecido e porque temos a sorte de o ter como colaborador.
Parabéns Carlos!
Carlos Sousa vive na Ericeira há 22 anos, após um namoro a esta vila de muitos anos, acabou por aqui viver e gostar. A luz, o mar e tudo à roda, conquistaram-no. Iniciou há alguns anos uma colaboração voluntária e de carolice, com o jornal “O Ericeira” que se destacou desde logo pela sua criatividade nos ângulos e na descoberta de pormenores através das fotos. As suas reportagens não eram documentais, mas sim, de fotos de arte. A busca do pormenor de requinte e a perspectiva sempre diferente, mesmo num acto de uma simples inauguração de um chafariz, surgia o que ninguém via como se ocorresse uma cena bem diferente de uma nova realidade que só ele via. Esta visão captada virou impacto nas páginas do jornal, revitalizando-o, valorizando actos simples, que passavam assim, para uma nova plataforma de fotografia de arte. Levantar cedo para agarrar uma luz especial, esperar o momento, carregar muitos quilos de equipamento, ao sol ou à chuva, não é para todos. Por isso, o fazer diferente e bem simples dá realmente, muito trabalho.
Fotografia… Como e quando sentiu o seu chamado?
A fotografia sempre foi um fascínio muito grande para mim, o “bichinho” começou quando o meu pai comprou uma Agfa para fazer fotografia familiar. Eu, ainda miúdo, ficava sempre à espera de ser chamado para tirar uma foto de grupo em que ele queria ficar, estava sempre no papel de voluntário e cada vez que tinha essa oportunidade “apostava” tudo para fazer uma boa foto. Como foram saindo bem e de alguma forma fui aperfeiçoando, fui ganhando o direito de fazer as reportagens familiares. Alguns anos mais tarde, tive o direito, de numa visita escolar levar a máquina do meu pai e fazer um rolo inteiro de 24 fotos, foi um verdadeiro êxtase e uma ansiedade muito grande enquanto a revelação não ficou pronta.
Foi desde sempre a sua aposta de vida ou começou por ser um hobby que ganhou espaço próprio e se entranhou?
A fotografia, a par do desporto, sempre foram as minhas grandes preferências, daí talvez que hoje em dia uma das áreas que mais gosto de fazer é a reportagem de eventos desportivos, é aquilo que costumo chamar a “minha praia”. Sempre foi a minha ambição de modo de vida, mas nunca me pude dedicar em exclusivo à fotografia, embora a cada ano que passava o espaço ocupado por ela no meu tempo fosse sempre aumentando. Fui aperfeiçoando algumas técnicas e fui consultando os trabalhos daqueles que eram os meus eleitos. À medida que ia ganhando alguma técnica e os resultados iam melhorando o desejo de “clicar” ia aumentando até que se torna um autêntico vicio. Uma das partes da pandemia que mais me tem custado é exatamente o facto de não poder “disparar” na minha dose, suficiente para alimentar o meu vicio, é como uma ressaca.
Tem algum curso de imagem, ou só tem a aprendizagem da prática do dia-a-dia?
Ao longo da minha vida, sempre que possível, fui fazendo formações quer na área da fotografia enquanto técnica, na área da revelação e edição em laboratório e agora, nestes anos mais recentes, na área da edição digital. Aliás esta “segunda parte” de uma fotografia, a edição, também foi sempre uma grande paixão para mim. Lembro-me de ainda na minha adolescência, a “meias” com um amigo meu e a muito custo termos adquirido um ampliador em 2ª mão, um já desgastado Zenith e o resto do material para revelar e ampliar os negativos que fazíamos a preto e branco. Eram longas horas passadas numa casa de banho que transformávamos em laboratório, um espaço reduzido onde com o calor do equipamento destilávamos para conseguir obter a foto desejada. Lembro-me do orgulho que foi quando consegui levar a concurso uma foto tirada e revelada por mim com a qual consegui uma menção honrosa, parecia que tinha conquistado o mundo.
Acha que a formação traz alguma vantagem ou a fotografia sendo uma arte depende basicamente do dom com que se nasce?
Claro que sim, a formação, como em todas as áreas é sempre um valor acrescentado, facilita a aprendizagem, evita criar conceitos errados e barreiras limitadoras pelo desconhecimento. Tenho algumas mas gostaria de ter tantas outras mas as limitações de tempo e às vezes financeiras não o permitiram na medida em que desejava, mas nunca é tarde, o saber nunca ocupou muito espaço.
Em termos de maquinaria, quanto tem investido e quais as marcas que prefere utilizar? E em que formatos? Cor ou preto e branco?
Ao longo dos anos têm sido uns bons milhares de euros, o material fotográfico não é propriamente barato. Vou optando entre o material novo e algum em segunda mão quando conheço os vendedores e me transmitem segurança. Lembro-me que a minha primeira máquina “à séria” foi uma Zenith, boa mas pesada que quase tinha que fazer preparação física suplementar. Foi a minha primeira aquisição com fundos próprios, uma SLR de 35mm mas que foi realmente o ponto de partida para o que viria a ser a “minha carreira fotográfica”. Depois disso, lembro-me de ter tido uma Minolta que era já um passo à frente relativamente à anterior. Quando chegou a era digital, a minha primeira opção foi também uma Minolta, comprei em segunda mão, custou-me uma fortuna que paguei em prestações que eram uma parte significativa do meu ordenado, mas foi mais uma vitoria.
Nos últimos anos tenho sido um fan incondicional da Canon, quer em máquinas quer em lentes. Não discuto se são melhores ou piores do que outras opções do mercado, mas neste momento considero que é a opção que consegue melhor materializar o que os meus olhos vêm e a minha mente idealiza. Relativamente à questão Cor ou P&B, para mim não é uma opção, é mais o momento e o tema que me fazem decidir pelo formato. Adoro quando consigo fazer uma foto a preto e branco cheia de contrastes e onde consigo realçar os elementos principais. Gosto muito de fazer retrato e nada melhor, por exemplo, quando fotografo o rosto de um idoso onde as rugas são visíveis e acentuadas e que só por si, já estão a contar uma historia de vida e nem precisam de uma legenda ou texto. Costumo dizer que uma fotografia a preto e branco só é conseguida quando olho para ela e facilmente visualizo toda a palete de cor do momento em que a tirei.
Numa era em que todos se consideram fotógrafos como é para si a fotografia com telemóveis? O que acha?
Apesar de hoje em dia haver telemóveis que são excelentes opções em matéria de registo fotográfico, para mim não é uma opção. Um telemóvel, quanto muito, serve para registar um momento que depois dá origem a uma partilha ou brincadeira nas redes sociais. Respeito e gosto até muito de fotos tiradas com esse equipamento, mas para mim é como pintar uma tela com uma trincha de pintar paredes.
Sabemos que para além da fotografia tem um gosto especial pela pós-produção que programas utiliza?
Os “fundamentalistas” da fotografia dizem que, quando tirada uma foto, ela deve ter desde logo todos os ingredientes para ser arte final. Pessoalmente não comungo desta filosofia e gosto sempre de editar uma foto, nem que seja para me obrigar a ver os detalhes e os erros cometidos para evitar no próximo clique. Quanto a mim há sempre um pequeno corte, um pequeno ajuste na luz ou nas cores; com uma pequena afinação a fotografia fica sempre mais próxima da ideia inicial. Onde uso mais a edição é na fotografia desportiva onde, quando estás a captar o momento tens que reagir muito depressa e não há tempo para pensar muito, logo a edição serve para corrigir um enquadramento menos perfeito, uma cor mais esbatida pela velocidade de obturação ou uma zona menos iluminada. Não tenho grande programas de edição, uso ferramentas para o iPad que são suficientes para os ajustes que normalmente faço.
Qual o tipo de trabalho que mais e menos gosta de fazer?
Apesar de não viver da fotografia, desde há uns anos para cá, consegui atingir um patamar que é não investir do meu orçamento pessoal na fotografia, felizmente todo o material que tenho adquirido, é comprado com rendimentos de trabalhos que faço. Todos os trabalhos que faço, de uma forma ou de outra dão-me alguma satisfação, mas naturalmente há alguns que faço mais com o intuito de ganhar algum dinheiro como por exemplo, casamentos e batizados; são uma fonte de rendimento para reinvestir em material que necessito para progredir e fazer aquilo que quero. Adoro fotografar desportos de ação como por exemplo o motocross. Fiz muitas reportagens deste desporto onde consegui captar momentos que ainda hoje, quando revejo, fico deliciado a apreciar e de alguma forma com o ego cheio. Hoje em dia já não faço tanto fotografia deste desporto porque sai muito caro, a poeira e a lama são inimigos letais para os equipamentos e tive que moderar o número de provas que fazia.
No campo profissional qual o fotógrafo que mais admira, nacional e estrangeiro?
Há vários fotógrafos que admiro e onde me inspiro para tentar “copiar” alguns elementos de estilo que acho fascinantes. Felizmente são muitos, há tantos fotógrafos que têm um contributo enorme para a arte da fotografia nas suas diversas vertentes. Sem querer ser injusto para ninguém e correndo o risco de me esquecer de nomes que admiro, posso a título de exemplo falar no Joel Santos, tem uma obra fascinante.
Outro marco na fotografia portuguesa é sem dúvida Eduardo Gageiro, um fotojornalista com uma vida dedicada à fotografia e uma obra que perdurará por muitos anos como património nacional. Tem uma frase que é um pouco o meu lema “Só não vou com a máquina para o caixão’’ e mesmo assim, quando morrer acho que talvez leve uma máquina comigo, nunca se sabe…
No campo internacional e como gosto muito de retrato, admiro muito Annie Leibovitz, com os seus trabalhos em revistas como Rolling Stone e Vanity Fair. Deixou sua marca retratando de forma intimista a vida e traços de muitas personalidades famosas.
Outro nome que admiro muito é Anne Geddes, uma fotografa australiana, autodidata que é uma autêntica guru no que toca a fotografar crianças, principalmente bebés.
Poderíamos ficar aqui horas infindáveis a falar de autores e das particularidades de cada um, é um mundo que me fascina e cada um tem uma visão muito própria.
A luz e o mar da Ericeira têm sido ao longo dos anos tema para pintores e fotógrafos que não regateiam elogios à sua beleza, Concorda? Qual a sua opinião?
Moro na Ericeira vai fazer em Dezembro 23 anos e já muito antes vinha para cá de férias e fins de semana. Desde muito cedo que me apaixonei por ela, o mar, as ruelas, os jagozes e a sua forma de estar sempre foram uma fonte de inspiração para as minhas fotografias. Tenho milhares de fotos só na Ericeira e quando julgo que já não tenho mais nada para aqui fotografar, aparece sempre algo “novo”. O surf também tem sido outra das matérias que me inspira e apesar de ser uma área em que não me sinto à vontade, tenho vindo a aprender com fotógrafos locais que se dedicam a esta modalidade e que apresentam trabalhos fabulosos. Vou experimentado as técnicas por eles usadas e tenho vindo a aprender alguma coisa e já possuo algumas fotos em que não aplico a tecla Delete.
Em Fevereiro passado publiquei um livro, o “Olhares Sem Rosto” que é uma coletânea de imagens, principalmente de rostos de pessoas com máscaras por causa da pandemia para o qual convidei um escritor madeirense, o Alves dos Santos que ilustrou as minhas imagens com legendas e alguns textos. Falo deste livro que foi o meu primeiro, porque apesar de ter fotos recolhidas em vários pontos do país, a grande maioria foi feita entre a Ericeira e Mafra o que demonstra a minha paixão por esta terra e as suas gentes.
Este trabalho, resulta e foi facilitado em grande parte pela colaboração que o jornal “O Ericeira” me proporcionou. Ao longo destes 3 anos, ao fazer as reportagens para o jornal fui conhecendo pessoas e lugares que talvez sozinho nunca tivesse conseguido chegar.
Não posso deixar de mencionar um nome, o Hélder Martins que infelizmente nos deixou há pouco tempo. Foi dos poucos a quem apresentei o meu trabalho e me deu a oportunidade de o mostrar ao público. Foi também ele que quando falei de publicar um livro me apoiou desde o primeiro minuto e me encorajou a não ter medo da exposição publica.
Que conselho quer deixar a quem acha que tem o “bichinho” mas tem medo de voar?
Para quem gosta de fotografar, o vetor principal é sentir o que fotografa, cada fotografia que faz tem que ter algo que é só seu e que consegue reconhecer mesmo que misturado entre outros trabalhos.
Outra coisa importante, claro na minha humilde opinião é testar, experimentar novas técnicas, novos modos, jogar com todos os elementos disponíveis como a luz, a velocidade e as sensibilidades. A regra principal é considerar o modo “auto” como uma função proibida numa máquina. Aprender com o trabalho dos outros e mostrar o seu trabalho para que possa ser apreciado e criticado. Hoje em dia com as redes sociais é mais fácil esta partilha e a única coisa que devemos ter como fundamental, é um “escudo” contra os que nada apreciam e tudo criticam.
Adicionar comentário