Opinião

A Sexta-Feira de Paixão

Criado numa família Católica e muito conservadora, os dois dias que se seguiam à Quinta-feira Santa eram dias tristes, de jejum e abstinência até Sábado à noite, o Sábado Aleluia, onde finalmente se esperava pela Ressurreição de Cristo no Domingo de Páscoa, aquele que para os Cristãos é o filho de Deus. A Páscoa é para os Cristãos a festa mais importante de todas as festas, e não o Natal, pois é no Domingo da Ressurreição que, todos os anos se celebra, em homenagem a Deus, a data em que Cristo seu filho, venceu a morte, um feito único e extraordinário, para quem acredita.

Em miúdo, muito miúdo, recordo-me de, pelas mãos de minha avó materna, na Sexta-feira Santa, nas celebrações litúrgicas da Paixão de Cristo, a que obrigatoriamente assistia, ver as janelas e os altares da Igreja matriz, da localidade de Loulé, a que chamo terra, de negro tapados, tornando-a misteriosa e simultaneamente triste e fria, apesar do sol e do algarvio calor, que no exterior se já sentia.

A misteriosa sensação de temor que a escuridão do templo pretendia transmitir, adensava- se, na direta proporcionalidade da interminável duração com que as cerimónias decorriam, inicialmente uma estranha névoa caía sobre o templo, logo se transformando num denso nevoeiro, transportando um estranho e misturado cheiro, a fumo de acesas velas, a rosmaninho, pelo chão espalhado, e ao do estranho incenso, com que o celebrante em latim ladainhando rezava e benzia, aparentemente tudo e todos, numa doirada e ardente caldeirinha colocado, baloiçando, pendulando, incessantemente fumigando.

À medida que o nevoeiro e o cheiro que transportava se intensificava, no decorrer das celebrações da Paixão, estes paulatinamente me iam nauseando, me iam entristecendo, me iam sufocando, me iam atemorizando, me iam aterrorizando, porque na época, a morte proclamada como salvação, associada a um profundo temor a Deus, eram inexplicavelmente mais importantes que o amor, que lhe deveríamos ter, sendo contrário à palavra por Deus
proclamada.

Boa Páscoa para todos.

Nuno Pereira da Silva

Coronel de Infantaria na Reserva

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Nuno Pereira da Silva

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