A alteração dos hábitos de sono e de alimentação, imposta pelo ritmo de trabalho por turnos, pode ter um forte impacto na saúde. Saiba mais sobre este assunto.
Há cada vez mais pessoas a trabalhar por turnos, isto é, trabalho em horário noturno ou em regime rotativo ao longo da semana, devido a exigências profissionais. No nosso país, em 2019, esta realidade abrangeu 835 mil pessoas, valor nunca antes alcançado desde que, em 2011, o Instituto Nacional de Estatística deu início à atual série do Inquérito ao Emprego.
Além das profissões tradicionalmente associadas à necessidade de trabalhar por turnos (médico, enfermeiro, bombeiro, padeiro, polícia, entre outras), hoje este regime estende-se a quem desempenha outros empregos, nomeadamente a operadores de call center, lojistas, entre muitos outros, que também acusam o impacto deste ritmo laboral. Entre as consequências destacam-se as que se refletem na saúde física e mental, sem esquecer que também a vida familiar e social de quem trabalha por turnos acaba por ser afetada, com tudo o que isso implica no seu bem-estar e qualidade de vida.
Distúrbio do sono no trabalho por turnos
É a nível da quantidade e qualidade do sono que mais se fazem sentir as consequências do trabalho por turnos, incluindo-se o que é realizado em horários noturnos, de manhã bem cedo ou em turnos rotativos, ou seja, fora do que se convencionou chamar “trabalho das 9h às 17h”. Quem trabalha nestes regimes acaba por não conseguir dormir tão bem como quem labora em horários tradicionais, apresentando uma maior probabilidade de sofrer de “distúrbio do sono no trabalho por turnos” (do inglês shift work sleep disorder), o que pode levar a insónias, problemas na manutenção do sono e/ou sonolência excessiva.
Segundo a Sleep Foundation, aproximadamente 16% dos trabalhadores norte-americanos trabalham por turnos, estimando-se que, entre estes, um em cada cinco já tenham sofrido de distúrbio do sono por esse motivo.
Relógio biológico
Este transtorno resulta da perturbação do ciclo circadiano, que corresponde à cadência do relógio biológico de cada pessoa e está associado ao ciclo sono-vigília, isto é, às horas que passamos acordados e a dormir. Quando a luz do dia começa a desaparecer, o “relógio circadiano” perceciona-o e ajuda o organismo a dormir, nomeadamente, através da libertação de melatonina, a hormona que promove o relaxamento e o sono. Já quando a luz do dia desponta, observa-se o movimento inverso e as hormonas libertadas, como o cortisol, destinam-se a manter o organismo desperto e ativo. Tudo o que afeta esta sincronização natural acaba por interferir no sono, logo, quem trabalha à noite ou começa o dia de trabalho antes das 6h da manhã, por exemplo, está a contrariar o seu relógio biológico, à semelhança do que se observa com o jet lag, por exemplo.
Por que é perigoso para a saúde?
Sabe-se que o sono interfere na saúde e bem-estar do ser humano, afetando o seu sistema metabólico, a memória e a capacidade produtiva, sendo indispensável para que o organismo possa recuperar energia e consolidar as experiências e aprendizagens ocorridas durante o dia. Assim, tanto a saúde física como mental dependem em larga medida da quantidade e qualidade do sono.
Nem todas as pessoas sentem da mesma maneira o impacto do distúrbio do sono motivado pelo trabalho por turnos. Por exemplo, quem trabalha de manhã muito cedo poderá apresentar sintomas diferentes de quem faz turnos noturnos. Tal vai depender da capacidade de adaptação de cada um e do próprio relógio biológico, já que há pessoas mais matutinas e outras mais vespertinas.
Ainda assim, é consensual que quem sofre de distúrbio do sono devido ao trabalho por turnos, se não for devidamente tratado e acompanhado, está mais suscetível a riscos ou problemas de saúde como:
- Dificuldades cognitivas: Os trabalhadores por turnos estão muitas vezes cansados e sonolentos, logo, sentem maiores dificuldades de concentração e memória.
- Risco de acidentes: A sonolência e a fadiga durante as horas de trabalho tornam estas pessoas mais suscetíveis de cometerem erros ou provocarem acidentes (o que constitui um risco para as próprias e para terceiros).
- Suscetibilidade a doenças: O sono é fundamental para um bom sistema imunitário e para que o organismo recupere energia e se recomponha. Quem trabalha por turnos está mais sujeito ao desenvolvimento de problemas gastrointestinais (úlcera, diarreia, obstipação), metabólicos (é um fator de risco para a diabetes), reprodutivos, oncológicos (em especial, cancro da mama) e cardiovasculares (AVC e enfarte do miocárdio).
- Perturbações do humor: Maior impaciência, irritabilidade e dificuldade em gerir problemas ou conflitos são algumas das características das pessoas que sofrem de transtorno do sono no trabalho por turnos, as quais apresentam também maior risco de depressão.
- Abuso de substâncias: O transtorno do sono pode levar a maior consumo de álcool, drogas ou medicamentos, o que poderá originar problemas de dependência.
- Obesidade: Vários estudos mostram que os trabalhadores por turnos mais facilmente apresentam excesso de peso e obesidade. Tal poderá estar relacionado com o recurso frequente a comida rápida, processada, de fácil preparação, a que se junta a falta de exercício físico. Este cenário explica a maior suscetibilidade destas pessoas para desenvolverem síndrome metabólica (hipertensão arterial, açúcar no sangue, obesidade e excesso de colesterol).
- Gestão de doenças: A privação de sono motivada pelo trabalho pode aumentar o risco de epilepsia em pessoas com este problema ou com predisposição. Por outro lado, os trabalhadores por turnos com diabetes diagnosticada podem ter dificuldade em controlar os seus níveis de açúcar no sangue.
Consequências sociais e emocionais
Quem faz trabalho noturno ou por turnos acaba por sentir consequências também a nível social e emocional, já que o seu ritmo de vida é, com frequência, diferente do que é mantido pelos familiares e amigos. Assim, é comum que estas pessoas apresentem também:
- Maior prevalência de problemas familiares, como divórcio, por exemplo.
- Dificuldade em equilibrar a vida profissional com a vida familiar e social, nomeadamente com a parentalidade.
- Sensação de isolamento face à família e amigos.
- Maiores taxas de absentismo e/ou presentismo (isto é, comparecer ao trabalho, mas sem desenvolver trabalho correspondente).
- Diminuição da produtividade.
Como minimizar as consequências?
Embora não seja possível eliminar completamente o impacto negativo que o trabalho noturno ou por turnos tem na saúde e na vida dos trabalhadores, há algumas medidas que podem ser tomadas para o minimizar:
- Durma o melhor que conseguir para evitar os efeitos da privação do sono. Para tal, procure bloquear toda a luz do quarto, desligue telefones, campainhas e tudo o que possa acordá-lo; use óculos escuros no regresso a casa após um turno noturno, evite ingerir café, bebidas alcoólicas e refeições pesadas antes da hora de dormir; use tampões para os ouvidos e máscaras para dormir; não faça exercício físico intenso antes de se deitar.
- Faça uma alimentação saudável (evite snacks e comida rápida), beba muita água e pratique exercício físico sempre que possível, prevenindo a obesidade e a síndrome metabólica.
- Procure manter o ritmo de três refeições principais por dia.
- Recorra a técnicas de relaxamento, respiração ou meditação com vista a reduzir o stress e melhorar a quantidade e qualidade do sono.
- Evite o uso de calmantes e medicação para dormir.
- Planeie os dias de folga com antecedência.
- Visite o seu médico assistente regularmente, com vista a prevenir e tratar os problemas de saúde a que os trabalhadores por turnos são mais suscetíveis.
- Procure manter as rotinas da família, nomeadamente com o cônjuge e filhos, para evitar o isolamento e alheamento.
- Evite turnos prolongados ou trabalhar horas excessivas.
- Certifique-se de que a família percebe a importância de o deixar dormir descansado, sem interrupções nem ruído.
Fonte: Cuf
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