A situação epidemiológica que atravessamos está a mudar o paradigma da forma como vivemos o nosso dia-a-diae, sem exceção, as relações laborais. É inegável o impacto que tem na gestão dos trabalhadores, um desafio para as empresas e uma adaptação constante dos trabalhadores a uma nova realidade laboral.Com as medidas de confinamento e isolamento social, a maioria das empresas viu-se obrigada a adotar o regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitissem. Tal medida cessou a 1 de Junho para a generalidade dos trabalhadores (com exceção de alguns grupos de pessoas), porém, voluntariamente, muitas empresas mantêm o regime de teletrabalho, seja a tempo integral, seja a tempo parcial.
Conforme as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), o regresso dos trabalhadores ao trabalho “presencial” deve ser feito de forma faseada, devendo a empresa avaliar se é possível optar pelo teletrabalho. Tendo em conta o período de incertezas e instabilidade que atravessamos, para muitas empresas é mais vantajoso manter alguns trabalhadores em regime de teletrabalho e/ou rotativo, ao invés de ter todos os trabalhadores a prestar o trabalho de forma presencial. A justificação encontra-se nas exigências que recaem sob as empresas, para a reabertura ou retoma do funcionamento (plano de contingência e adoção de determinadas medidas técnicas e organizacionais que garantam o distanciamento físico e a proteção dos trabalhadores).
Consequentemente, na retoma ao funcionamento, muitas empresas optaram por adotar um sistema rotativo, entre o teletrabalho e o trabalho presencial, por ser maisproficiente em termos logísticos e financeiros.Com a generalização do teletrabalho, surgem várias questões relacionadas com o controlo da atividade laboral prestada a partir do domicílio do trabalhador, nomeadamente, como pode ser feita, quais os limites dos poderes de direção e controlo do empregador, quais os direitos dos trabalhadores? Analisemos, então, algumas questões pertinentes:
1) A entidade patronal pode controlar a execução da prestação laboral do trabalhador em regime de teletrabalho?Sim, o empregador mantém os poderes de direção e de controlo da execução da prestação laboral. O controlo da atividade laboral em regime de teletrabalho está expressamente regulado no artigo 170.º, n.º 2 do Código do Trabalho, o qual prevê a possibilidade de o empregador efetuar esse controlo através do acesso à residência do trabalhador, entre as 9h00 e as 19h00.
No entanto, não existe qualquer disposição legal que regule o controlo à distância, pelo que a regra geral de proibição de utilização de meios de vigilância à distância, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, é plenamente aplicável à realidade de teletrabalho, uma vez que a utilização de tais meios implicaria uma restrição desnecessária e seguramente excessiva da vida privada do trabalhador. Por esta razão, nos termos do artigo 20.º e 21.º do Código de Trabalho e de acordo com a orientação emitida pela CNPD, as soluções tecnológicas para controlo à distância do desempenho do trabalhador não são admitidas, porquanto promovem um maior e desproporcional controlo do trabalho pelo empregador, num grau muito mais detalhado do que aquele que pode ser feito quando o trabalho é prestado nas instalações da entidade empregadora.
Assim, conforme orientação da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), não são admitidos softwares que:
- façam rastreamento do tempo de trabalho e de inatividade;
- registem as páginas de Internet visitadas;
- registema localização do terminal em tempo real ou as utilizações dos dispositivos periféricos (p.e.: ratos e teclados);
- façam captura de imagem do ambiente de trabalho e registem quando o trabalhador inicia o acesso a uma aplicação;
- controlem o documento em que o trabalhador está a trabalhar e registem o respetivo tempo gasto em cada tarefa (p.e.:TimeDoctor, Hubstaff, Timing, ManicTime, TimeCamp, Toggl, Harvest).
2) Quais os direitos do trabalhador em regime de teletrabalho?O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, em matéria de limites do período normal de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho ou doença profissional, não devendo existir qualquer discriminação entre trabalhadores.
Neste sentido, o empregador deve respeitar o direito à privacidade e à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador em teletrabalho, não sendo admissível, por exemplo, impor ao trabalhador que mantenha a câmara de vídeo permanentemente ligada. De acordo com a CNPD, também não será de admitir a possibilidade de gravação de teleconferências entre o empregador e os trabalhadores (exceto se todos os visados prestarem consentimento para tal).
3) Quais os poderes de controlo da atividade laboral que a entidade patronal tem no regime de teletrabalho?A entidade patronal tem direito a visitar o local de trabalho para controlo da atividade laboral, entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada.
É importante realçar que o empregador tem como obrigação manter o registo dos tempos de trabalho de cada trabalhador, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho. O registo deve conter a indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, por forma a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas por trabalhador.
Nestes termos, tal como no trabalho presencial existe o registo de tempo de trabalho (início e fim da atividade, bem como pausas relativas a hora de almoço, etc.), também no regime de teletrabalho a entidade patronal tem de proceder ao registo dos tempos de trabalho, que pode ser efetuado por recurso a soluções tecnológicas específicas e adaptadas, que garantam a privacidade do trabalhador e respetivos dados pessoais. Atente-se que, a entidade patronal, está limitada a realizar (apenas) os mesmos registos que são efetuados relativamente ao trabalho prestado nas instalações da empresa: registo de tempos de trabalho.Sendo esta uma obrigação da entidade patronal, na ausência de meios e de sistemas tecnológicos específicos, o empregador poderá controlar os tempos de trabalho e a disponibilidade do trabalhador através da criação de uma obrigação de envio de email, SMS ou de contacto telefónico. No entanto, este controlo por parte do empregador deve ser realizado dentro da lei e não através de comportamentos com o objetivo de criar um ambiente hostil, desagradável ou intimidativo, pois, nesses casos, poderá cair numa prática proibida de assédio.
Por outro lado, a entidade patronal poderá sempre controlar a atividade laboral do trabalhador através da criação de novos objetivos a cumprir pelo trabalhador, de obrigações de reporte com maior periodicidade, marcação de reuniões em teleconferência.
Para proteção de ambas as partes, nas situações que a entidade empregadora mantenha o teletrabalho, é aconselhável que sejam feitos os respetivos aditamentos aos contratos de trabalho existentes, de forma a contemplarem o regime de teletrabalho e respetivas questões inerentes.
As informações prestadas são de caracter geral e não substituem a consulta da legislação e/ou de um advogado, para análise do caso concreto.
Nota: Caso exista alguma matéria jurídica que os leitores gostassem que fosse abordada, por favor, envie sugestão para acardoso@accadvogados.pt
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