Direito

Direitos do Consumidor: Obras em imóveis

closeup hand of worker plastering cement at wall for building house

“Consumidores, por definição, somos todos nós”, afirmou John F. Kennedy, no histórico discurso realizado no Congresso a 15/03/1962. No âmbito de direito do consumidor, este discurso foi o início de uma luta pelos direitos e garantias dos consumidores. Volvidos 58 anos, continua atual: todos nós somos consumidores e, em algum momento das nossas vidas, todos já tivemos problemas numa relação de consumo.

Um contrato de empreitada de consumo é aquele que é celebrado por um consumidor que encomenda a realização de uma obra em causa a um profissional de determinada atividade económica, mediante remuneração. Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.

E no caso de um contrato de empreitada a realizar num imóvel?Exemplo prático: O consumidor é proprietário de um imóvel e celebra com uma empresa especializada, na área da construção civil, um contrato verbal de prestação de serviços, na modalidade de empreitada. O serviço contratado teve como objetivo a reparação do chão de madeira de todo o apartamento, nomeadamente, arrancar o betume velho, rejuntar, fixar as tábuas soltas, afagar e envernizar o chão. Ao fim de dois meses após entrega da obra, a massa do chão começa a soltar-se e o soalho começa a levantar e o verniz a estalar.

Quais os seus direitos?

Primeiramente, é importante realçar que quanto o consumidor celebra um contrato de empreitada, deverá fazê-lo por escrito, dada a fragilidade das questões a definir: orçamentos, prazos, materiais escolhidos. Alerta-se que o contrato de empreitada pode ser verbal, exceto se o valor da obra for superior a € 16.600,00, neste caso tem de ser, obrigatoriamente, celebrado por escrito, sob pena de nulidade do mesmo.

Todos os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor. Em caso de falta de conformidade do bem ou serviço contratado (os denominados defeitos), o empreiteiro responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

O que é uma falta de conformidade? Quando a obra realizada não é conforme com a descrição que é feita pelo empreiteiro; quando a obra não tem as qualidades do bem que o empreiteiro tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; quanto a obra não é adequada ao uso especifico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o empreiteiro quando celebrou o contrato; quando a obra não é adequada às utilizações habitualmente dadas aos bens daquele tipo; ou quando a obra não apresenta as qualidades e desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode esperar, atendendo à natureza do bem.

Basta a verificação de uma destas situações para existir uma desconformidade do bem, o qual denominamos, usualmente, por defeito.

Assim, no que respeita a empreitadas de consumo e em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação e eliminação dos defeitos; ou por via da realização de obra nova; ou pedindo a redução adequada do preço; ou procedendo à resolução do contrato. Além destes direitos, o consumidor poderá, ainda, ter direito a receber uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos. No caso de um conflito de consumo relativo a um contrato de empreitada, deverá consultar apoio jurídico, porquanto, poderão existir outras opções legais, antes de aceitar a obra, tais como, por exemplo, recusar a prestação e não receber o bem; ou não liquidar o preço enquanto a obra não for concluída sem defeitos e invocar exceção de não cumprimento do contrato.

Como deve atuar o consumidor, perante a verificação de uma desconformidade na obra? Perante a existência de defeitos e/ou vícios na execução da empreitada referente a imóvel, o consumidor (dono da obra) tem legitimidade para reclamar junto do empreiteiro de todas as desconformidade que se revelarem durante o período de 5 anos a partir da entrega do bem (atenção: a garantia legal apenas é aplicável a desconformidades e não a problemas originados por mau uso ou desgaste por uso normal dos bens). Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito.

Por outro lado, o prazo legal de garantia (de 5 anos) não é o único prazo importante que o consumidor deve saber e ter em consideração! O consumidor tem prazos para exercer os respetivos direitos, a saber:

  1. O consumidor tem de denunciar a desconformidade ao empreiteiro, num prazo de 1 ano a contar da data em que teve conhecimento do defeito. Na ausência de denúncia dentro do prazo de 1 ano, os direitos do consumidor caducam, mesmo que ainda esteja a decorrer o prazo de garantia legal. Exemplo prático: O soalho de madeira foi reparado em 23/01/2018. O consumidor obteve conhecimento do defeito em 01/09/2018. Assim, o consumidor tem até ao dia 31/08/2019 para denunciar/comunicar ao empreiteiro a desconformidade, de forma a obter a reparação ou substituição do bem. O prazo de garantia de 5 anos terminará a 23/01/2023.
  2. Após a denúncia da desconformidade (no prazo de 1 ano a contar do conhecimento), tratando-se de bem imóvel, caso o empreiteiro não proceda voluntariamente à reparação ou substituição do bem, o consumidor tem um prazo de 3 anos a contar da data da denúncia do defeito para avançar com ação judicial de forma a obter o cumprimento do contrato.Exemplo prático: O soalho de madeira foi reparado em 23/01/2018. O consumidor obteve conhecimento do defeito em 01/09/2018 e denunciou a desconformidade junto do empreiteiro em 02/10/2018. Assim, o consumidor tem 3 anos a contar de 02/10/2018 para demandar o empreiteiro numa ação judicial com vista o cumprimento do contrato, podendo solicitar uma indemnização pelos danos causados.
  3. Resumo dos prazos:nas relações de consumo, após o dia da entrega da obra, o prazo máximo para exercício de todos os direitos, por parte do consumidor e no respeitante a bens imóveis, totaliza 9 anos: 5 anos de garantia legal de todas as desconformidades + 1 ano para denunciar os defeitos + 3 anos para agir junto do empreiteiro, pela via extrajudicial ou judicial. Durante o período de reparação dos defeitos, os prazos mencionados suspendem-se pelo período em que o consumidor está privado do uso do bem.

O consumidor deve denunciar as desconformidades por comunicação escrita, de forma a ter uma prova da data da denúncia, das desconformidades reportadas e do cumprimento dos prazos. Por fim, aquando a entrega da obra, alerta-se para a importância do consumidor verificar e fiscalizar a obra antes de a aceitar. A garantia legal e a consequente responsabilidade do empreiteiro é excluída quando os defeitos são visíveis e conhecidos pelo consumidor / dono da obra, se este aceitou a mesma nessas condições. Assim, o consumidor que aceite receber a obra, conhecendo os respetivos defeitos, sem denunciar os mesmos no ato de aceitação, está a renunciar à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso, conformando-se com aquelas desconformidades.

As informações relativas a prazos em referência no presente artigo são respeitantes aos bens imóveis, não se aplicando a desconformidades de bens móveis (existindo, nestes casos, outros prazos).As informações prestadas são de caracter geral e não substituem a consulta da legislação e/ou de um advogado, para análise do caso concreto.

Nota: Caso exista alguma matéria jurídica que o leitor gostasse que fosse abordada, por favor, envie sugestão para acardoso@accadvogados.pt