Geral Opinião

Ucrânia: Peça estratégica da Europa

A União Europeia enfrenta hoje dois perigos interligados um externo, imposto por pressões estratégicas, e outro interno, alimentado por atores que operam a partir de fora. Ambos convergem no mesmo resultado: a erosão da capacidade europeia de agir como ator estratégico autónomo. No centro deste processo está a Ucrânia, não por escolha moral, mas pelo seu peso geopolítico.

A integração da Ucrânia na União não é um gesto simbólico, é um movimento de alcance histórico. Mesmo devastada, a sua dimensão e os custos da reconstrução alterarão o equilíbrio interno europeu, fragilizando economias e restringindo a liberdade de decisão futura dos Estados‑membros. A isso soma‑se a cláusula de defesa coletiva uma obrigação que pode arrastar a Europa para riscos de confronto direto com a Rússia, sem unidade política consolidada nem capacidade militar suficiente.

Mas o perigo não vem apenas de fora. A ascensão das forças eurocéticas em países centrais como a França é explorada por atores externos que veem na fragmentação europeia uma oportunidade de enfraquecimento estrutural. Não importa a intenção; o efeito é convergente: a Europa torna‑se mais vulnerável, menos coesa e menos capaz de projetar poder.

O novo conceito estratégico norte‑americano sob a presidência Trump, rompe com o elo transatlântico tal como o conhecemos. A Europa deixa de ser tratada como aliada estrutural e passa a ser encarada como problema ou instrumento. Ontologicamente, dissolve‑se a essência de uma aliança – comunidade de fins e de reconhecimento mútuo – e, eticamente, o parceiro converte‑se em objeto tutelado. Pretende‑se salvar o “Ocidente” corroendo a sua mais sólida construção político‑jurídica: a União Europeia.

O National Security Strategy de 2025 redefine prioridades: recentra‑se no hemisfério ocidental, relativiza a Rússia e responsabiliza a UE pela instabilidade no continente. Os “aliados naturais” passam a ser não as instituições europeias, mas as forças nacionalistas e iliberais que contestam a arquitetura da União. É o abandono da comunidade de valores em favor de uma engenharia de poder.

Perante este quadro, a Europa já não pode contentar‑se com uma autonomia estratégica relativa precisa de independência estratégica total. O vínculo transatlântico tornou‑se condicionado, instrumental e ideologicamente agressivo. Manter a retórica de “aliança” é ocultar uma assimetria de fins que a razão política e a ética da reciprocidade não podem sustentar: ou há comunidade de fins, ou há relação de poder.

A Ucrânia, nesta conjuntura, não é apenas um país em guerra é o teste decisivo à maturidade estratégica da Europa. Ignorar esta realidade não é prudência: é abdicar de compreender o poder no seu sentido mais profundo.

Nuno Pereira da Silva
Coronel na reforma