Geral Opinião

Terrorismo, crime organizado e a instrumentalização da ameaça

Durante anos, terrorismo, crime organizado e narcotráfico foram apresentados como ameaças equivalentes à segurança coletiva. Não são. A sua associação recorrente não é inocente: serve para legitimar o uso de meios militares em contextos que deveriam ser tratados politicamente, judicialmente ou socialmente, contornando o controlo constitucional e parlamentar.

O terrorismo tem como fim o terror em si mesmo: paralisar sociedades, corroer a confiança nas instituições e instalar o medo permanente. Já movimentos insurgentes ou armados com controlo territorial como os Talibãs, a Fatah, o Hamas ou, numa fase inicial, o Estado Islâmico, possuem fins políticos, ainda que ilegítimos ou regressivos. Confundir estas realidades é um erro conceptual com consequências estratégicas e éticas graves.

O crime organizado e o narcotráfico seguem uma lógica económica: lucro, controlo de mercados ilícitos e captura silenciosa do Estado. Não procuram derrubá-lo, mas instrumentalizá-lo. Por isso, exigem respostas policiais e judiciais, não militares.

A equiparação artificial entre criminalidade, terrorismo e guerra — hoje visível, por exemplo, na retórica sobre a Venezuela e o fentanil — serve para normalizar a exceção, militarizar problemas complexos e governar pelo medo.

Em democracia, a clareza conceptual é condição de legitimidade. Quando se abandona essa clareza, qualquer ameaça pode ser elevada a pretexto para o uso da força. O resultado não é mais segurança, mas menos Estado de direito.

Nuno Pereira da Silva

Coronel na Reforma