No âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) e através da Lei n.º 67/2020, de 27 de Novembro, foram criadas um conjunto de medidas, de caracter temporário e extraordinário, em matéria reestruturação e insolvência de empresas afetadas pela crise económica decorrente da pandemia da doença COVID-19. A lei entrou em vigor a 28 de Novembro de 2020 e, vigorará, até 31 de Dezembro de 2021.
De forma sucinta, uma análise aos vários mecanismos criados pela presente lei:
- Plano de recuperação e acordo de pagamento em negociação:
No âmbito do processo especial de revitalização (PER) e do processo especial para acordo de pagamento (PEAP), esta alteração legislativa vem estabelecer um regime excecional e temporário de prorrogação do prazo para conclusão das negociações encetadas com vista à aprovação de plano de recuperação, bem como de concessão de prazo para adaptação da proposta de plano de insolvência, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
Em suma: a requerimento fundamentado da empresa ou do devedor e do administrador judicial provisório, o juiz poderá conceder nova prorrogação do prazo para conclusão das negociações encetadas com vista à aprovação de plano de recuperação ou de acordo de pagamento adaptados ao contexto da pandemia da doença COVID-19, por uma só vez e por um mês, além da prorrogação já prevista nos artigos 17.º-D, n.º 5 (PER) e 222.º-D, n.º 5 (PEAP) do CIRE. Nestes termos, além dos dois meses para conclusão das negociações encetadas, poderá ser concedida uma prorrogação de mais dois meses.
- Financiamento através de capital para recuperação da atividade da empresa:
Além dos credores, os sócios, acionistas ou quaisquer outras pessoas especialmente relacionadas à empresa que financiem a sua atividade durante o Processo Especial de Revitalização (PER), disponibilizando-lhe capital para a sua revitalização, passam a gozar de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores. Através deste mecanismo, a Lei vem estender o privilégio previsto no n.º 2 do artigo 17.º-H do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). - Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE)
Esta lei vem, também, alargar a aplicação do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE), aplicando-se, agora, a empresas que se encontrem em situação de insolvência atual em virtude da pandemia da doença COVID-19, mediante o cumprimento de determinados requisitos. Relembramos que este mecanismo é extrajudicial (sem recurso aos Tribunais) e decorre na Conservatória de Registo Comercial, tendo por principal objetivo a reestruturação do passivo da empresa, em alternativa ao processo de insolvência e ao processo de revitalização (PER).
Nestes termos, a título excecional e temporário, poderão recorrer ao RERE:
i. as empresas devedoras que, comprovadamente, se encontre em situação de insolvência atual em virtude da pandemia mas que ainda seja suscetível de viabilização e que, de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis conjugadas com as regras do CIRE, demonstre ter, em 31 de Dezembro de 2019, um ativo superior ao passivo pode submeter ao RERE as negociações e os acordos de reestruturação que alcance com um ou mais dos seus credores.
ii. as empresas que, não tendo a 31 de Dezembro de 2019 o ativo superior ao passivo, “tenham logrado regularizar a sua situação com recurso à disposição transitória prevista no n.º 1 do artigo 35.º do RERE e desde que tenham procedido ao depósito tempestivo do acordo de reestruturação”.
- Processo extraordinário de viabilização de empresas afetadas pela pandemia:
Por outro lado, foi criado o processo extraordinário de viabilização de empresas. Este mecanismo destina-se a empresas que, comprovadamente, se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente ou atual em virtude da pandemia da doença COVID-19, mas que ainda seja suscetível a respetiva viabilização. Contrariamente ao RERE, o processo extraordinário de viabilização de empresas tem natureza judicial, tendo como objetivo a homologação pelo Tribunal de um acordo alcançado extrajudicialmente entre a empresa e os seus credores.
Alerta-se que, para efeitos deste processo, é considerada «empresa» toda a organização de capital e trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica, independentemente da natureza jurídica do seu titular. Assim, poderão também recorrer a este mecanismo, os empresários em nome individual com contabilidade organizada. Os requisitos para aceder a este mecanismo dependem do tipo de empresa, uma vez que existem requisitos específicos para as micro ou pequenas empresas. Para verificar se pode recorrer a este mecanismo, aconselha-se a consulta de um advogado, para análise do caso concreto.
Este processo tem caráter urgente, com prioridade sobre a tramitação dos processos de insolvência, processo especial de revitalização (PER) e de processo especial para acordo de pagamento (PEAP). O processo extraordinário de viabilização de empresas está isento de custas processuais. Quanto ao pagamento da remuneração do administrador judicial provisório, deverá ser paga pela empresa.
No respeitante aos créditos tributários e da segurança social: estes são indisponíveis, “só podendo existir redução da taxa de juros de mora, no âmbito de acordo homologado conducente à consolidação financeira da empresa”. A redução da taxa de juro dependerá do plano em causa e no caso de incumprimento do acordo homologado, fica sem efeito a redução da taxa de juros de mora. Por exemplo: em planos prestacionais de 73 a 150 prestações mensais, é realizada uma redução de 25% dos juros de mora.
A decisão judicial e a publicação em edital a nomear o administrador judicial provisório, origina inúmeros efeitos relativamente à empresa e respetiva atividade. Estes efeitos encontram-se exaustivamente descritos na lei, porém, realçamos apenas três, os quais consideramos importantes para a recuperação da atividade da empresa:
i. suspensão das ações de cobrança de dívidas em curso contra a empresa, extinguindo-se as mesmas logo que seja homologado o acordo de viabilização, salvo quando este preveja a sua continuação ou quando os créditos em causa naquelas ações não estejam abrangidos pelo acordo;
ii. a empresa fica impedida de praticar atos de especial relevo sem autorização do administrador judicial provisório, devendo tal pedido ser realizado por comunicação escrita. O administrador judicial provisório deverá dar uma resposta num prazo de cinco dias, sendo que a falta de resposta corresponderá a uma declaração de recusa de autorização para a realização do negócio pretendido.
iii. a partir do momento em que é nomeado o administrador judicial provisório, até à prolação da sentença de homologação ou de não homologação, não podem ser suspensos o fornecimento de água, energia elétrica e gás natural, as comunicações eletrónicas, os serviços postais, a recolha e tratamento de águas residuais e os serviços de gestão de resíduos sólidos urbano.
- Rateios Parciais – processos de insolvência pendentes:
Para os credores: a presente lei veio estabelecer a obrigatoriedade da realização de rateios parciais em todos os processos de insolvência pendentes em que haja produto de liquidação depositado num valor acima de € 10.000,00 (euros). - Requerimentos de liberação de cauções ou garantias no âmbito de processo de insolvência:
No respeitante a requerimentos de liberação de cauções ou garantias prestadas no âmbito de processo de insolvência, processo especial de revitalização (PER) e processo especial para acordo de pagamento (PEAP), prevê-se que, até 31/12/2021, seja atribuída prioridade na tramitação desde tipo de requerimentos, em processos novos e nos que estejam pendentes à data da entrada em vigor da presente lei.
As informações prestadas são de caráter geral e não substituem a consulta da legislação e/ou de um advogado, para análise do caso concreto.
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