“A guerra é a continuação da política por outros meios.” — Carl von Clausewitz
A guerra é, como lembrava Clausewitz, a continuação da política por outros meios. Porém, a transformação tecnológica emancipa a técnica das limitações humanas e altera o próprio sentido dessa continuação. Já não se trata apenas de inventar novos instrumentos, mas de uma mutação profunda na relação entre decisão política, execução letal e responsabilidade moral.
As guerras atuais conservam traços do século passado, como a luta por território e a devastação em massa, mas introduzem tecnologias que mudam a estrutura do conflito. Drones, sistemas autónomos e armas cibernéticas ou espaciais deslocam o centro da decisão. A técnica transforma quem decide, quem sofre e até a forma como se narram as perdas. As potências com superioridade tecnológica impõem custos mínimos a si próprias e custos intoleráveis ao adversário, dissolvendo o critério moral que antes moderava a violência.
A desumanização do combatente é o perigo maior. O uso de drogas ou implantes que eliminam o medo e o cansaço converte o soldado em mero suporte da máquina, negando-lhe a dignidade da consciência. Quando algoritmos escolhem alvos, a responsabilidade moral e jurídica torna-se obscura. A guerra tende a ser invisível, feita de sabotagem e desinformação, sem fronteiras nem pausas, onde a paz se torna apenas um intervalo técnico.
Melhorar o soldado ou automatizar o campo de batalha não é solução política, mas um sintoma da perda da medida humana. A confiança em inteligências artificiais para decidir sobre a vida e a morte representa a abdicação do juízo moral. É preciso restabelecer limites éticos e jurídicos que assegurem um agente humano responsável e um escrutínio sobre a proporcionalidade e a discriminação no uso da força.
A governança da guerra tecnológica exige regulação internacional, transparência nos sistemas autónomos e defesa das instâncias civis que legitimam o uso da força. Sem essa presença moral do humano no comando e na decisão, a técnica converte a guerra em exercício instrumental e apaga a política na sua essência.
A ameaça maior, porém, pode vir não das máquinas, mas da biologia. A criação de clones geneticamente modificados e desprovidos de consciência seria o passo final da desumanização. Nessa fronteira extrema, a guerra deixaria de ser continuação da política ou da técnica e tornar-se-ia a negação da própria humanidade. Restariam apenas sobreviventes num mundo onde o homem, tendo perdido o seu centro moral, se tornaria o seu próprio verdugo.
Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma












Adicionar comentário