O embaixador Tanger Correia, agora eurodeputado do Chega, foi hoje acusado publicamente por Israel como exemplo de “antissemitismo”, por ter afirmado, durante a sua campanha eleitoral, que o governo israelita sabia do ataque de 7 de outubro e deixou passar essa informação em branco. Esta suspeita circula desde o início da guerra em Gaza contra o Hamas, alimentando debates e teorias sobre falhas de inteligência.
Não deixa de ser curioso que Israel tenha escolhido como alvo um eurodeputado de um partido ideologicamente próximo do atual governo israelita. Isso levanta duas hipóteses: ou a escolha foi um erro de cálculo ou o Mossad falha mais do que se imagina, quer na seleção dos alvos, quer na sua capacidade de prever e prevenir acontecimentos como o de 7 de outubro. Afinal, até os serviços secretos com fama de infalíveis cometem falhas.
Quanto ao termo “antissemitismo”, importa recordar que, historicamente, “semita” designa povos que incluem tanto hebreus como árabes. O uso corrente do termo, restrito ao ódio contra judeus, popularizou-se no século XIX e foi radicalizado pela ideologia nazi. Reaplicar este conceito a críticas políticas ao Estado de Israel é mistificar o debate, pois criticar políticas governamentais não é o mesmo que nutrir ódio étnico ou religioso.
Numa conversa recente, um amigo árabe partilhou uma perspectiva provocadora: o Ocidente deveria deixar de ver os judeus como “ocidentais”, pois sempre foram e continuam a ser, culturalmente, parte do mundo semita, tal como os árabes. Apesar de séculos a viver no Ocidente, muitas comunidades judaicas preservaram, de forma discreta mas firme, uma identidade própria, distinta nos valores, práticas e tradições.
No fundo, o caso Tanger Correia expõe não apenas tensões políticas, mas também a facilidade com que conceitos históricos complexos são usados como armas retóricas. E quando se confunde crítica política com preconceito étnico, a clareza do debate perde-se — e a inteligência coletiva também.
Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma

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