Sabemos da literatura que há uma ligação, bem antiga, entre a morte, o
contar histórias e o número 1001.
Desde “as mil e uma noites” que este número tem uma ressonância mítica.
Aí aprendemos que cada noite
termina com um conto que nunca acaba. Que, em razão da vida, não pode
acabar. Parece ser mesmo um brinde à vida!
Mas também sabemos que a vida, a nossa vida, esta nossa vida, “não se mede pelo número de vezes
que respiramos, mas sim pelos lugares e instantes que nos tiram a respiração”.
Pensei nesta mistura entre os mil lugares do mundo que
importa ver antes de morrer – um livro bem interessante de Patrícia
Schultz – e as “mil e uma noites”, em alguns fins de tarde deliciosos de
Agosto na Ericeira.
Numa vila cheia de gente, com múltiplos idiomas e novas falas, cheia de sons sorridentes e em que a tradição se combina com inovação. Como se o surf contagiasse e nos trouxesse a espuma das
ondas e nelas uma nova e contagiante narrativa.
Em que o passado se cruza com o futuro. E a tradição das Festas em Honra do mar, na busca da
calmaria dos seus espíritos e também dos seus truques, são momentos em
que os “anjos de ontem” são os “mordomos de hoje” e em que há a
vontade, sempre renovada, de “voltar á festa”, de repetir e replicar as
preces, de lavar a memória e agarrar o futuro.
É que se cada grande novela é uma obra que há que ler antes de morrer, – pressentindo que a
morte é algo, uma possibilidade, relativamente distante, mas é também
sempre iminente, aparecendo das sombras a cada instante – há que
reconhecer que, nestes instantes, as velas também reconhecem ventos de mudança.
E nessas noites de Agosto, com as velas a iluminar o mar e a lua
quase a beijar o oceano, senti neste ouriçar que me acolhe uma
permanente combinação entre o próximo e o distante, entre o parcial e o
exaustivo, entre o passado e o futuro.
E este presente, que é tão só uma ponte, está ser descoberto por centenas de novos “viajantes” que, no seu
intrínseco globalismo, descobrem, deslumbrados, um localismo em que a fé percorre as estreitas ruas e com a anuência do mar abraça os pescadores e as suas Famílias numa irmandade que é, por excelência, um
largo momento de fraternidade.
E foi desta forma que em noites deste Agosto soltei, pressentindo os ouriços, as minhas amarras e mesmo ao
som das velas e das luzes dos andores senti prazer e paixão, amizade e amor, sentido de pertença e respeito pelo passado.
Também desta forma se constrói o futuro!
Com a Ericeira a ser um dos mil lugares que importa conhecer antes de morrer!
E tendo, bem pegado à alma, “as mil e uma noites”!
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