Geral Opinião

Israel, Doha e o abismo da credibilidade

O Primeiro-Ministro de Israel parece não ter linhas vermelhas. A sua determinação em perpetuar-se no poder ultrapassa qualquer consideração moral ou política. Ao mesmo tempo, a sua estratégia revela um esforço calculado para escapar a processos internos por corrupção e, sobretudo, evitar a condenação inevitável que se aproxima nos tribunais internacionais. Há já cerca de um ano que foge a esse destino, movendo-se entre manobras políticas e diplomáticas como quem tenta não afundar no próprio abismo.

O episódio de Doha trouxe ao público uma questão inquietante: até que ponto os Estados Unidos estavam informados? A doutrina divide-se. Há quem considere impossível que Donald Trump não tivesse conhecimento do ataque, dado que Doha alberga a maior base americana da região. Por outro lado, há quem acredite que Israel esperava apoio imediato, algo que nunca se materializou, deixando o país isolado e revelando as fragilidades da sua política externa.

Doha não hesitou em reagir. O seu Primeiro-Ministro não poupou palavras: Israel é um Estado terrorista. E, de facto, o ataque falhado, que visava líderes do Hamas envolvidos nas negociações de paz, apenas prolonga a guerra e agrava as tensões. O tiro saiu pela culatra, mostrando que a violência, por si só, não produz resultados diplomáticos, mas gera ciclos de conflito cada vez mais difíceis de controlar.

No plano internacional, a situação é ainda mais delicada. A credibilidade de Israel encontra-se em queda livre. E, no efeito dominó que caracteriza a política global, os Estados Unidos são arrastados para um abismo de reputação e responsabilidade que dificilmente poderão ignorar. Em tempo de guerras, alianças frágeis e julgamentos morais, as decisões de um líder podem ecoar muito para além das fronteiras do seu próprio país.

No fundo, Doha e Israel recordam-nos de algo essencial: o poder sem limites, a ambição sem freios e a diplomacia sem ética são convites ao desastre. E, muitas vezes, o que começa como uma manobra de sobrevivência política termina por corroer a própria credibilidade que se pretendia proteger.

Nuno Pereira da Silva 

Coronel na Reforma