A recusa do Primeiro-Ministro de Israel em aceitar um cessar-fogo proposto para permitir a libertação dos reféns do Hamas não é apenas uma decisão tática: é um erro estratégico. Nenhum objetivo militar justifica sacrificar a legitimidade política e moral de um Estado que se apresenta como democrático. A força só é eficaz quando serve um propósito político claro; quando se torna fim em si mesma, degenera em violência.
O Hamas é um grupo terrorista, essa definição é inequívoca. Mas o combate ao terror não pode recorrer aos mesmos métodos que se pretende condenar. Quando um Estado destrói infraestruturas civis, impede ajuda humanitária e multiplica vítimas inocentes, começa a aproximar-se daquilo que combate. A diferença entre defesa legítima e punição coletiva é a fronteira que separa a democracia da barbárie.
A dimensão teocrática crescente do Estado israelita agrava o problema. Um Estado que invoca o direito divino para justificar a guerra abdica do princípio democrático da soberania popular. A fé não pode substituir a lei, nem o dogma o direito internacional. Quando isso acontece, o poder político converte-se em convicção religiosa armada e perde o controlo moral da força.
Do ponto de vista estratégico, cada refém não libertado e cada civil morto são derrotas políticas. O inimigo ganha terreno simbólico, e o Estado perde aliados e legitimidade. A história ensina que a vitória tática sem vitória moral é apenas um intervalo antes da próxima derrota. A guerra, sem objectivo político claro, transforma-se em ideologia; e a ideologia, quando armada, é autodestrutiva.
Israel tem o direito de se defender. Mas esse direito termina onde começa o dever de respeitar o direito internacional e a dignidade humana. O poder sem limite é sempre uma forma de fraqueza, porque destrói a razão que o legitima. A força que ignora a lei perde autoridade e acaba por perder também a guerra política.
Entre a força e a legitimidade, a escolha é decisiva. Um Estado que combate o terror deve ser mais forte que o terror mas pela medida, não pela desmesura. Quando o poder deixa de reconhecer fronteiras morais, a vitória transforma-se em derrota.
Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma

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