Trump reduziu ontem publicamente o prazo que tinha dado a Putin para que este negoceie seriamente um cessar-fogo conducente a um acordo de paz. Se há dias alguns analistas ainda tentavam, com algum esforço, encontrar racionalidade no anúncio anterior em que o prazo estipulado era de cinquenta dias, a redução súbita para dez dias levanta um enigma maior. Esta decisão obriga-o a apresentar rapidamente um trunfo muito forte, mas que, paradoxalmente, não provoque o escalar da guerra para o patamar nuclear.
Esta inconstância e incoerência de Truno é transversal aos populistas de todo o mundo que seguem a sua cartilha. Ainda que finjam respeitar certos costumes e símbolos desde que não o incomodem pessoalmente, relativamente aos problemas reais, há uma ausência total de ideologia. Isso traduz-se, na prática, numa imprevisibilidade absoluta para quem neles vota: sem um corpo doutrinário estruturado, tudo fica à mercê dos humores de quem governa.
Agitar chavões como “emigração”, “corrupção” ou “insegurança” é fácil, sobretudo quando se faz um retrato sombrio da situação num determinado território. Difícil é apresentar soluções reais, reformar, mudar estruturalmente — algo que, goste-se ou não, os partidos tradicionais ainda tentam fazer, partindo de doutrinas mais ou menos consistentes e previsíveis. É essa previsibilidade que, por vezes, permite arriscar soluções com base num raciocínio lógico, ainda que sujeito ao erro.
A nova forma de apresentar a luta de classes reduzindo-a a um confronto maniqueísta entre “o povo” e “as elites” — é profundamente vazia. As elites, nestes discursos, são sempre as dos outros. As dos próprios líderes populistas, e dos seus amigos, são misteriosamente poupadas. Veja-se o caso de Musk, que num dia é bestial, e no outro é uma besta — ou vice-versa — consoante as conveniências do momento.
Esta novela de prazos, ameaças e recuos, cujo fim é insondável, só vem aumentar a pressão sobre um mundo que precisava desesperadamente de serenidade neste inexorável caminho para o cais. Entretanto, contarei serenamente os dez dias esperando que o desfecho não provoque nada de verdadeiramente catastrófico.
A única saída plausível, neste momento, poderá ser o alargamento do prazo da ameaça um recuo que poderá ser apresentado como gesto magnânimo. Mas, para se resolver este conflito, é absolutamente necessário que os presidentes dos EUA e da China estabeleçam relações diplomáticas sérias, com vista a uma solução definitiva que impeça a destruição mútua. Ambos tentarão perder o mínimo possível, mas só o reconhecimento de perdas recíprocas e de interesses legítimos poderá travar a espiral da catástrofe.
Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma

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