Geral Opinião

Crónicas de Lisboa: Alma Escondida e Amordaçada

Tenho uma característica pessoal que pode acabar por me prejudicar, porque observo tudo em redor e acabo por ficar inquieto. Muitas vezes, ajo. Noutras, fico-me pela observação dos factos que me podem deixar com desconforto e preocupado. Outros, ainda, atingem-me a alma, deixando-a a “chorar por dentro”. No título desta minha crónica, incluem-se muitos tipos de factos, porque há tantas almas escondidas e amordaçadas neste mundo tão belo, mas tão cruel também. Por exemplo, nas vítimas das guerras, da pobreza, da violência, dos desastres ecológicos, etc. Anda muita gente distraída, por opção ou porque “olha para lado” ou, fechando-se no seu egocentrismo, consegue ficar indiferente ao que o rodeia. Trago aqui um exemplo, presenciado por mim, quando, há alguns dias, fazia uma viagem de autocarro na cidade, algo pouco frequente, e, numa certa paragem, pela porta de saída dos passageiros, mas que no caso o poderia fazer devido a transportarem um carrinho de bebés, dizia eu, entrou um casal jovem de imigrantes com um carrinho de porta bebés, contendo um recém-nascido, e sentaram-se no espaço reservado para os carrinhos de bebés ou deficientes. Esperei que fossem ao leitor dos passes ou bilhetes, à entrada junto do condutor, mas não o fizeram em toda a viagem, saindo pela porta por onde haviam entrado. É obvio que todos os passageiros, exceto as crianças até quatro anos, pagam bilhete e, se não tiverem passe social e/ou não fizerem a validação da viagem, serão multados se houver uma fiscalização da Carris. Ele, porque ainda estávamos neste outono/verão com temperaturas quentes, vestia uma t-shirt, calções e ténis e a companheira vinha com uma burca com dois orifícios por onde poderia ver, sem mostrar sequer os olhos.

Nestes dias, muito tem sido o alarido, por vezes com posições extremadas, com muitos “opinadores” (proliferam nas redes sociais), políticos e muita gente do povo a manifestar-se contra a intenção do governo em proibir o uso da burqa no nosso país.

Houve até uma manifestação, convocada através das redes sociais – muito em voga este meio – pela historiadora Raquel Varela, onde aquela professora universitária contestava tanto o uso obrigatório da burqa quanto a sua proibição, defendendo que ambas representam formas de controlo sobre as mulheres! Segundo a imprensa, compareceram poucas mulheres e, paradoxalmente, muitas delas eram imigrantes de países onde esta é usada. Porquê tanto ruido e “cegueira sociológica”, se o uso da burqa é uma forma de
anti liberdade das mulheres? Liberdade, e dever dos governantes, é proibir o horror do que a burqa significa para as mulheres que são obrigadas ao seu uso. Indigna-me ver uma mulher com burqa e imagino o desconforto, físico, que ela lhe provocará (são pavorosas as imagens que nos chegam das mulheres no Afeganistão, mas também a humilhação que isso significa (e os filhos que veem a mãe daquela forma na rua!). Elas só veem, respiram e falam por uma rede feita na burqa). “É preciso ter um espírito retorcido para argumentar que a burqa se trata da liberdade das mulheres decidirem como se vestir ou de liberdade religiosa”. As mulheres islâmicas são mulheres como os outros milhões de mulheres na terra e elas não nascem com a génese da submissão a imposições bárbaras, determinadas pelos homens. Proibir o uso da burqa nos espaços públicos, deveria ser uma prioridade dos países que as acolhem,
mesmo como turistas. Ao invés, muitos governos, sob o manto hipócrita da liberdade de escolha, não ousam legislar nesse sentido, deixando que milhões de mulheres sejam obrigadas a usarem uma peça de roupa que é um do símbolo da opressão do homem sobre a mulher. Mas há outros argumentos que fundamentam o NÃO uso da burqa. Por exemplo: i) Pela integração, porque os imigrantes têm a
obrigação de se integrarem nos países que os acolhem e isso implica aceitarem um conjunto de valores que são o suporte das nossas culturas. Imaginam os “negacionistas” desta proibição, como será o ambiente nas escolas e universidades quando essas jovens atingirem a idade do uso “obrigatório” de algum destes tipos de roupa? (Burqa: cobre todo o corpo e o rosto – Niqab: cobre o rosto, mas não necessariamente o corpo – Hijab: cobre a cabeça e o pescoço, mas não necessariamente o rosto- Chador: é um manto que cobre o corpo e a cabeça, geralmente usado sobre a roupa normal). O rosto humano é a fotografia de todos os nossos atributos (externos e interiores) e é o mais fiel meio de interação entre os humanos. “Os olhos são a janela da alma e o rosto, o seu espelho” e, se for escondido, pela burqa ou mascara, como se usufrui dessa força comunicacional?

Lembram-se da pandemia, aquando do uso obrigatório da máscara nos locais públicos e o efeito psicossocial que ela tinha na nossa interação com o outro, por vermos e mostrarmos apenas os olhos? Faltava ver a boca, os lábios, o nariz e a face no seu todo, onde se manifestam as emoções humanas. A força era tão forte, por estar centrada, unicamente, nos olhos, não deixando que pudéssemos desviar o olhar para outras partes desse espelho tão genuíno e verdadeiro – o rosto – que muita gente desviava o olhar, porque sentia como que uma penetração na sua alma, a nossa parte mais íntima. Se usarem burqa, nunca vamos conhecer essas mulheres imigrantes, a viverem no nosso país, e, muitas, acabarão por vir a adquirir a nacionalidade portuguesa! NÃO, por favor.

Contudo, elas verão o meu rosto na plenitude! ii) O económico. Não parece crível que as mulheres imigrantes que usam burqa irão trabalhar, porque os “donos”, perdão, os maridos, não querem – a ideologia da burqa é remeter as mulheres para dentro de casa e para o isolamento da vida em sociedade, – e porque os empregadores não vão contratar estas mulheres. Há estudos e testemunhos, por exemplo em França, de que as mulheres muçulmanas não enfrentam discriminação no mercado de trabalho, exceto quando usam “hijab” ou “chador” (que não tapam a cara). Donde, o que vai acontecer? Vamos nós, com o nosso Estado social depauperado, sustentar estas mulheres e os seus agregados familiares, depois que foi permitido o reagrupamento familiar, sem cuidar da veracidade da declaração de capacidade de sustento da família, algumas com três gerações (avós, pais e filhos, cuja natalidade é maior do que a nossa) e só com rendimentos do pai de família numa profissão de salário mínimo? Vamos receber em Portugal famílias que escolhem manter-se pobres em nome da religião e da modéstia feminina e que passarão à frente nos apoios sociais dos portugueses (e de outros imigrantes mais esforçados) que também são pobres? Enlouqueceram aqueles que pactuam com esses laxismos? iii) A segurança. Além de desumano, o uso da burqa pode esconder um criminoso ou foragido, sendo mulher ou homem. Se se deslocarem aonde lhes seja pedida a identificação, como o fazem? Despem a burqa? Como foi o controlo nas fronteiras, aquando da entrada na EU? E o acesso aos aviões? iv) O argumento da liberdade. Ao contrário do que as manifestantes usaram como slogan, a mulher deve ser livre para NUNCA mais usar a burqa nos espaços públicos e não a liberdade de a PODER usar.

Aqui não, no nosso país, e se todos os países “Ocidentais” a proibissem, estariam a enviar uma mensagem para os governantes dos países donde elas emigram. Mas, acima de tudo, prestavam uma enorme ajuda a essas mulheres para se libertarem desses jugos.

Os argumentos nos protestos ocorridos, os manifestantes listaram vários pontos do “caderno de reivindicações”, mas a proibição do uso da burqa era a bandeiras dos manifestantes. Concordo que este assunto não seria o primeiro numa lista de prioridades, porque há outros muito mais importantes para o nosso dia a dia. Claro, porque as manifestantes vivem num país onde existe a liberdade, esquecendo-se que noutros tal não acontece e onde as mulheres são as maiores vítimas. A burqa é um dos jugos a que as mulheres são sujeitas. Não olhemos só para o nosso umbigo.

Serafim Marques – Economista (Reformado)