Apesar do fim do estado de emergência, persistem graves situações de mora no pagamento das rendas, em virtude das fortes reduções dos vencimentos mensais de inúmeras famílias. Atualmente, muitos arrendatários questionam-se quais os seus direitos no pós-estado de emergência: estou em regime de Lay-off e com rendimentos reduzidos, ainda existe algum apoio para pagamento das rendas? As ações judiciais de despejo ainda estão suspensas? É possível adiar a entrega do imóvel?
Vejamos algumas questões:
- Qual o impacto da Covid-19 nas ações de despejo, nos procedimentos especiais de despejo e nos processos para entrega de imóvel arrendado?
A Lei n.º 16/2020, de 29/05, prevê que durante o período de vigência do regime excecional e transitório, ficam suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de imóvel arrendado, quando o arrendatário,por força da decisão judicial final a proferir, possa ficar numa situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa. Nestes casos, o arrendatário pode requerer a suspensão do processo judicial, invocando que não tem habitação própria ou outra razão social imperiosa (p.e.: situações de carência económica), devendo apresentar provas que comprovem tal situação.
O regime excecional e transitório não tem data de fim definida. Assim, esta medida ficará em vigor até publicação de novo decreto-lei, a declarar o termo da situação excecional e a definir a data de cessação deste regime. Alerta-se que, além das ações de despejo, encontram-se igualmente suspensas as diligências para entrega de casa de morada de família, em sede de processos executivos e de insolvência.
- Quais as medidas temporárias para proteção dos arrendatários?
Foi criado um regime extraordinário e transitório de proteção dos arrendatários, em vigor até dia 30 de setembro de 2020, que prevê a suspensão da:
- produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio. Exemplo prático: se o senhorio já procedeu à denúncia do contrato com efeitos a partir de agosto, a denúncia é válida, mas apenas produzirá efeitos a partir de 30 de setembro, ou seja, o arrendatário pode continuar a residir na habitação e só proceder à entrega do imóvel a 1 de outubro.
- caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação. Exemplo prático: o contrato de arrendamento celebrado termina, por caducidade, a 1 de agosto. Nestes casos, tendo em consideração que os efeitos da caducidade encontram-se suspensos até 30 de setembro, caso queira, o arrendatário pode continuar a residir na habitação e só proceder à entrega do imóvel a 1 de outubro.
- produção de efeitos da revogação (acordo entre as partes) e da oposição à renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio. Exemplo prático: celebrei um contrato de arrendamento por cinco anos. O senhorio procedeu à oposição à renovação e, como consequência, o contrato terminará a 1 de setembro. Neste caso, a oposição à renovação é válida, porém, os efeitos encontram-se suspensos até 30 de setembro. Caso queira, o arrendatário pode continuar a residir na habitação até 30 de setembro e só proceder à entrega do imóvel a 1 de outubro.
Embora a lei não especifique, em prol do princípio da boa-fé contratual, o arrendatário que pretenda adiar a entrega do locado até 30 de setembro, deverá enviar uma comunicação escrita ao senhorio, a informar que apenas procederá à entrega do locado em 1 de outubro, tendo em consideração o regime legal em vigor.
Alerta-se que apesar da comunicação de denúncia ou oposição à renovação, bem como nos casos de caducidade do contrato ou de revogação por mútuo acordo, o valor da renda a liquidar até 30 de setembro não poderá sofrer alterações, sendo aplicado o valor em vigor no contrato celebrado.
- Atualmente, existe algum apoio financeiro para pagamento da renda habitacional?
Para mitigar os impactos da Covid-19 na economia familiar, foram alargados os prazos para concessão dos apoios financeiros a conceder pelo IHRU. Com esta alteração essencial, o apoio deixou de abranger apenas as rendas vencidas até junho, podendo, agora, os arrendatários requerer este empréstimo até setembro de 2020. De acordo com a Lei n.º 17/2020, de 29 de maio, que procedeu à primeira alteração da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, os arrendatários habitacionais que tenham, comprovadamente, uma quebra de rendimento e se vejam incapacitados de pagar a renda, podem recorrer ao apoio financeiro do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (IHRU), para pagamento das rendas que se vençam entre 1 de abril de 2020 e 1 de setembro de 2020.
O apoio consiste num empréstimo concedido sem juros ou outros encargos, sendo apenas deduzido o valor de imposto de selo respeitante a cada parcela de empréstimo concedido ao arrendatário. Para aceder a este apoio mensal, é necessário cumprir com determinados requisitos legais, os quais poderão ser consultados junto do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (IHRU).
É importante realçar que o arrendatário iniciará o reembolso do empréstimo a partir de janeiro de 2021 ou, após seis meses de carência, desde a última parcela de empréstimo. A título exemplificativo, caso o arrendatário apenas tenha usufruído do apoio até maio ou junho de 2020, este começará a liquidar o reembolso ao IHRU em janeiro de 2021. Já nos casos em que o arrendatário usufrua do apoio até setembro de 2020, o prazo de reembolso terá início em abril de 2021, pois o período de carência não pode ser inferior a seis meses. O reembolso do empréstimo será efetuado através de prestações mensais, iguais e sucessivas, de valor correspondente a um duodécimo da renda mensal.
Em resumo, os arrendatários que se vejam impossibilitados de pagar atempadamente as rendas que se vençam até 1 de setembro de 2020, ainda podem pedir apoio ao IHRU para assegurar o pagamento dessas rendas. Importa informar que, caso o arrendatário tenha optado pela moratória do pagamento das rendas vencidas entre 1 de abril e junho de 2020, sem recorrer a apoio financeiro do IHRU, tal não o impede de, agora, recorrer ao IHRU para apoio no pagamento das rendas que se vençam entre 30 de maio e 1 de setembro de 2020.
Ultrapassada a fase mais crítica do estado de emergência, há que pensar no futuro próximo e definir um quadro de intervenções que garantam uma progressiva estabilização, de forma gradual e proporcional, equilibrando a normalização gradual da vida económica e social com as novas exigências de saúde pública.
As informações prestadas são de caracter geral e não substituem a consulta da legislação e/ou de um advogado, para análise do caso concreto.
Nota: Os leitores podem fazer perguntas ou expôr dúvidas para o email acardoso@accadvogados.pt
Adicionar comentário