A Casa da Cultura da Ericeira foi durante três noites desta semana palco para mais uma apresentação do trabalho de um ano da Academia de Dança Susana Galvão Teles.
Mais uma vez, dentro da linha que nos vêm habituando, estes espetáculos são sempre uma mostra de qualidade, profissionalismo, bom gosto e capacidade de evolução. Não é por acaso que de ano para ano vemos o nível a subir.
Como li algures num comentário nas redes sociais, um espetáculo desta qualidade pode perfeitamente saltar a “fronteira do Oeste” e apresentar-se noutros palcos da cultura de maior dimensão.
A proposta deste ano era “Construção” e o que se pretendia transmitir à plateia, na minha interpretação, era o crescimento desmesurado das sociedades sem que tomemos noção de que muitas vezes o crescimento, quando desmesurado, pode muito bem encurtar horizontes e “encolher” a nossa qualidade de vida.
Pensei em desenvolver mais a mensagem a que tive oportunidade de assistir, mas tendo as palavras de Inês Galvão Teles, opto por me reduzir à tentativa de traduzir em imagens esta excelente descrição.
”Ainda antes de sabermos que o estamos a fazer, construímos para fazer crescer: castelos de areia, legos, puzzles. Grão a grão e peça a peça, investimos em criar uma estrutura capaz de desafiar a nossa altura. A ideia é que seja grande, ainda maior, que supere a anterior e que, mesmo que feita devagarinho, iguale a do vizinho. É daí que nascem os impérios de areia nos dias quentes de Agosto, as maquetes de lego que se espalham pelos corredores e as exposições de puzzles emoldurados que ninguém teve coragem de desmanchar.
Só quem já montou uma tenda dentro de casa sabe do que estamos a falar… o que mais poderia justificar trocar a cama pelo chão a não ser dormir debaixo da nossa própria construção?
Quando ganham força para carregar, os construtores mudam a forma de brincar: substituem a areia pela madeira, o encaixe pelo martelo e a peça pelo tijolo. Brotam casas grandes, aldeias ainda maiores, vilas que as superam e cidades que se disputam em largura e comprimento.
Agora já não chega desfazer para um castelo encolher nem tão pouco desmontar para um puzzle recomeçar. Já nem nas pontinhas mais altas é possível espreitar o que está ali, acolá, para lá do nosso lugar. No meio de tanta construção, nem de corpo esticado, debruçado ou empoleirado conseguimos ver para o outro lado.
Quererá isto dizer que de tanto construir começamos a diminuir? Que por muito edificar deixamos de conseguir alcançar? Que ao tanto fazer crescer, começamos a encolher?
Talvez o limite de construir seja quando, mesmo de olhos fechados, soubermos que existem sempre outros lados: mais altos, mais baixos, mais estreitos ou mais largos.
De martelo na mão, erguemos alicerces e o peito, sustemos vigas e a respiração, destruímos muros e convenções, construímos pontes e soluções.” (Inês Galvão Teles).
Falta ainda mencionar toda uma grande equipa que por três noites fez por certo a “delícia” de quem teve a sorte de assistir.
Coreografia, dramaturgia e seleção musical: Susana Galvão Teles e Inês Galvão Teles
Música: Aubry, Rene; Bach, Johann Sebastian; Balanescu Quartet; Deep East Music; Desplat, Alexandre; Gaude, Jean Philippe; Harold, Ferdinand and Lanchberry, John; Jackson, Roderick L. and Beller, Marty; Negro, Jean, Louis; Nyman, Michael; Ocarina of Time; O’Hallaron, Dustin; Ottignon, Aron; Shostakovich, Dmitri; Tiersen, Yann, Vivaldi, Antonio.
Texto, ilustração e folha de sala: Inês Galvão Teles
Sonoplastia: Inês Galvão Teles e Manuel Rocha
Figurinos: Susana Galvão Teles e Inês Galvão Teles
Cenários e adereços: José Reis, Manuel Rocha, Susana Galvão Teles, Inês Costa e alunas da Academia.
Referir ainda a participação da Crevide – A Casa da Rita que aceitou o convite de trazer, como referiu Inês, “tanto sentido a este espetáculo” com a participação dos excelentes bailarinos muito especiais.
Texto e fotografias de Carlos Sousa/ KPhoto
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