Geral Opinião

Cabo Delgado: Entre a Luta e a Esperança

Em Cabo Delgado, a paisagem é marcada tanto pela destruição quanto pela resistência. Tropas moçambicanas, apoiadas por contingentes ruandeses e pelo treino da União Europeia, conseguem retomar algumas vilas, mas o terror persiste, invisível e adaptativo. Não é apenas uma guerra de armas: é uma batalha por corações e mentes, por dignidade e oportunidades.

A história nos ensina. Durante a guerra colonial, Spinola, na Guiné, tentou criar vilas modelo protegidas, oferecendo emprego, escolas e cuidados médicos para afastar os jovens da insurgência. Não foi a presença militar que resolveu o problema, mas o esforço de criar alternativas à pobreza e ao descontentamento.

Hoje, o cenário é diferente, mas o princípio permanece. Em Cabo Delgado, qualquer plano de reconstrução ou “state building” precisa nascer junto do Governo moçambicano, respeitar suas autoridades, tradições e culturas locais. Num Estado multiétnico, ouvir os chefes tribais e líderes comunitários não é apenas sensato: é essencial. Ignorar essas vozes seria repetir os erros do passado, impondo soluções que nunca se enraízam.

Além disso, é crucial cortar os apoios externos aos grupos terroristas, impedindo que armamento, financiamento ou logística cheguem de fora. Mas segurança por si só não basta. É preciso combinar forças militares com educação, empregos e serviços básicos, construindo oportunidades reais e comunidades resilientes, onde a marginalização não seja terreno fértil para o extremismo.

A União Europeia, com a sua experiência e recursos, pode dar um passo decisivo nesse caminho. Para além do treino militar, deve investir em desenvolvimento integrado, apoiando projetos que respeitem a cultura local, fortaleçam instituições e criem esperança para a população. Só assim se constrói algo duradouro: não apenas vilas reconstruídas, mas sociedades capazes de se proteger e se sustentar por si mesmas.

A lição é clara: armas sem oportunidades são insuficientes; desenvolvimento sem segurança é frágil. O verdadeiro desafio de Cabo Delgado é unir essas vertentes de forma coordenada, sensível e inclusiva, transformando a luta diária contra o terror numa história de resiliência, reconstrução e esperança.

Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma