Crónica duma morte anunciada
A Instituição militar, onde servi durante mais de três décadas, tem sido palco de reformas sucessivas, tendo sido talvez a Instituição do Estado, que mais reduziu em termos de pessoal, desde o 25 de Abril até à data.
Reconheço que a Instituição necessitava de algumas reformas, e consequentemente reduzir o número de pessoal nas fileiras. No entanto essas reformas, deveriam ter sido feitas por forma a não destruírem uma Instituição secular, baseada em princípios e valores próprios ,transmitidos pelas gerações mais velhas às mais novas, numa vivência em comum nas academias, nas escolas, e nos regimentos das armas.
Ao terem-se acabado, versus reagrupado, algumas destas unidades e escolas,como a Escola Prática de Infantaria e o Centro Militar de Equitação e Desportos, no nosso concelho, criando a ora Escola das Armas, quase sem militares pois só tem cerca de cento e vinte praças,, quebraram-se, infelizmente, algumas tradições perdendo-se conhecimento, e ferindo gravemente o espírito de corpo, cimento indelével que nos unia a todos, embora na diversidade dos ramos, das armas e das especialidades.
Esta escola, entendida como transmissão de conhecimentos intergeracional, dificilmente se reerguerá, pois parece-nos que está perdida para sempre, pois não soubemos, como militares preservá-la nas necessárias mudanças que nos foram impostas, quer pelo poder político, quer por força das novas tecnologias, que impõem sempre mudanças nas organizações e contracções nos dispositivos.
Uma reforma não é uma revolução, é uma mudança na continuidade, uma revolução, essa sim, implica uma rotura com o passado e com as tradições.
Umas FAs seculares como as nossas, precisam incorporar novos conceitos, novas doutrinas, e consequentemente novas organizações, no seu seio, sem renegar o seu passado, de que se orgulham. Neste tão difícil equilíbrio a minha geração,e a que me antecedeu, falharam rotundamente ao querer traduzir e copiar regulamentos, doutrinas e organizações de países aliados, sem ter em consideração as nossas idiossincrasias, sem as adaptar à nossa cultura militar.
Neste ímpeto de mudança a cultura da segurança, transmitida de geração em geração, bem como outras tão importantes com o essa, ruíram que nem baralhos de cartas, tendo como consequência episódios tristes como os do assalto aos paióis nacionais e outros, que na semana que passou nos deixaram incrédulos.
É claro que a culpa não é só nossa, e que as FAs, ao diminuírem draconianamente o seu pessoal e dispositivo, várias vezes nestes últimos quarenta anos, sem ter tido tempo de interiorizar e completar as sucessivas reformas impostas pelo poder político, deveriam ter sido equipadas com armamento e tecnologias modernas, próprias dumas Forças Armadas do século XXI, que compensassem as sucessivas perdas em pessoal.
Por Nuno Pereira da Silva
Coronel de Infantaria na Reserva
Adicionar comentário