Achegas para uma festa de mais de quatro séculos.
O Padre Tiago jovem e dinâmico, que veio colaborar com o Cónego Armindo Garcia na Paróquia da Ericeira, mostrou vontade com a Comissão de Festas, recuperar ou modernizar com base no que acontecia e era já tradição das Festas mais antigas da Ericeira de Homenagem a S. Sebastião e S. Vicente. Assim este ano a Festa foi contemplada com três dias em vez de um simples dia que aconteceu nos últimos anos.
Hoje foi dia de ouvir os mais antigos contarem do que se lembram destas festas, num almoço de feijoada para angariar valores para esta singular festa de inverno.
Antigamente (está escrito em documentação do Museu Archivo da Ericeira) “a pequena imagem de São Sebastião, um primor de escultura, era todos os anos conduzida em procissão para a Igreja Paroquial pela sua irmandade composta por rapazes solteiros, no dia 11 de Janeiro, fazendo-se ali a respectiva novena e festa solene com procissão no dia 20 do mesmo mês. A 22, dia de São Vicente, depois da Missa Conventual era a imagem reconduzida em procissão, com banda de música, para a sua ermida, junto à qual se realizavam os festejos”.
Teria a grande diferença, ou a peculiaridade de o passo da procissão, em honra dos santos militares, ser acelerado (passo de marcha) logo mais rápido e até para aquecer as almas, num dia de invernia e ainda mais , indo para norte descampado onde o vento por norma se afoita.
Esta festa teve sempre dádivas muito especiais. Uma família sempre e já há muitos anos por tradição oferece um barril de vinho. Já vem de pais para filhos.
A retribuição das dádivas é feita com bolachas, cálice de vinho abafadinho (Porto ou Ginginha) e uma pajela- santinho impresso em papel. Caso a esmola for de destaque é oferecido um foguete. Daí ouvirem-se o estalar dos foguetes quando há um aniversário ou o Benfica ganhe um jogo…são restos desta festa.
O nome da “Festa dos Bêbados” carregou de forma negativa a paixão da Comissão de Senhoras que anualmente contra tudo e todos, fez com que esta tradição não acabasse. Esta festa nunca foi dos bêbados, o que não evita que com vinho à borla, não haja abusos, mas são sempre os mesmos, com ou sem festa que se embebedam.
A Junta de Freguesia tem cedido um palco para animação musical e naturalmente o bailarico anima a tarde fria de Janeiro.
S. Sebastião (França, 256 d.C. – 286 d.C.) originário de Narbonne e cidadão de Milão, foi um mártir e santo cristão, morto durante a perseguição levada a cabo pelo imperador romano Diocleciano.
De acordo com Actos apócrifos, atribuídos a Santo Ambrósio de Milão, Sebastião era um soldado que se alistou no exército romano por volta de 283 d.C. com a única intenção de fortalecer o coração dos cristãos, enfraquecido pelas torturas.
Era querido dos imperadores Diocleciano e Maximiano, que o queriam sempre próximo, ignorando tratar-se de um cristão e, por isso, o designaram capitão da sua guarda pessoal, a Guarda Pretoriana. Por volta de 286, a sua conduta branda para com os prisioneiros cristãos levou o imperador a julgá-lo sumariamente como traidor, tendo ordenado a sua execução por meio de flechas (que se tornaram símbolo constante na sua iconografia).
Foi dado como morto e atirado em um rio, porém, Sebastião não morreu. Encontrado e socorrido por Irene (Santa Irene), apresentou-se novamente diante de Diocleciano, que ordenou então que ele fosse espancado até a morte. Seu corpo foi deitado ao esgoto público de Roma. Luciana (Santa Luciana, cujo dia é comemorado a 30 de Junho) resgatou seu corpo, limpou-o, e sepultou-o nas catacumbas.
Existem inconsistências no relato da vida de São Sebastião: o édito que autorizava a perseguição sistemática dos cristãos pelo Império foi publicado apenas em 303 (depois da Era Comum), pelo que a data tradicional do martírio de São Sebastião parece precoce. A história de São Sebastião, é visto, pelas lideranças cristãs actuais, como alegoria, mito, fragmento de estórias, que atravessou séculos.
O bárbaro método de execução de São Sebastião fez dele um tema recorrente na arte medieval, surgindo geralmente representado como um jovem amarrado a uma estaca e perfurado por várias setas (flechas); três setas, uma em pala e duas em aspa, atadas por um fio, constituem o seu símbolo heráldico.
Tal como São Jorge, Sebastião foi um dos soldados romanos mártires e santos, cujo culto nasceu no século IV e que atingiu o seu auge na Baixa Idade Média, designadamente nos séculos XIV e XV, tanto na Igreja Católica como na Igreja Ortodoxa.
Existem registos da Festa em honra deste mártir na Ericeira há mais de quatro séculos, tornando-a a mais antiga das festas de inverno na Costa Atlântica de Portugal.
Também é a única festa de inverno na Ericeira. Razão pela qual o turismo carece na época baixa de realçar algo como atracção, e este acontecimento religioso e pagão, será talvez o evento mais fácil de reerguer a sua esquecida e grande importância como Festa de inverno.
S.Vicente, diácono e mártir
S. Vicente é o mais célebre dos mártires hispânicos, o único que se encontra incorporado na liturgia da igreja universal. O seu dia celebra-se a 22 de janeiro.
O seu contemporâneo Prudêncio dedica-lhe um longo poema, além de largo excerto noutro hino a propósito da cidade natal do mártir, Saragoça. Nos primeiros anos do século V, por volta de 410-412, Agostinho assim dizia em Cartago num dos sermões compostos para a missa da festa do mártir (“Sermo” 276, PL 38, 1257):
Segundo a tradição hagiográfica, os acontecimentos ter-se-iam passado na sequência de uma série de decretos dos imperadores Diocleciano e Maximiano, emitidos nos anos 303 e 304, que intentavam reprimir o culto cristão por todo o império. Vicente seria diácono em Saragoça, quando é preso por um governador de quem não temos qualquer outra referência e cuja existência é muito problemática, de nome Daciano. Recusando revelar o sítio dos livros de culto e abjurar, como ordenava o decreto imperial, é levado para Valência (episódio singular, pois Saragoça e Valência pertenciam a províncias distintas, uma à Tarraconense, a outra à Cartaginense, cada uma com o seu próprio governador). Das sequelas do interrogatório sob tortura a que foi submetido, faleceu a 22 de janeiro do ano 304.
Após a morte, a hagiografia deixou-nos acontecimentos miraculosos, como o episódio do corvo e o do regresso do corpo a terra, após ter sido lançado ao mar. Poucos anos depois, a partir de 313, no tempo do imperador Constantino, constrói-se um sepulcro martirial em Valência, que mais tarde daria lugar uma basílica extramuros, onde o corpo era venerado pelos devotos.
O culto difundiu-se rapidamente. Corroborando os textos hagiográficos, Valência assumiu-se desde logo como sua sede privilegiada. Aqui ficava a igreja que acolhia o corpo do mártir, citada por Prudêncio e pela Paixão traduzida mais adiante. Na primeira metade do século VII, o poeta Eugénio de Toledo dedica um epigrama a uma igreja do santo, aludindo ao sangue e à túnica, túnica que reaparece numa oração da missa composta na mesma altura. Eugénio foi, de resto, arcediago desta igreja.
Além de Valência e Saragoça, cidades indissociáveis da figura de S. Vicente, o culto cedo se estendeu a outras cidades da Hispânia. Em Sevilha, já antes de 428, quando os Vândalos invadem a cidade, a catedral onde Isidoro se recolheu na véspera de morrer estaria dedicada a S. Vicente. A catedral de Córdova também estaria sob a invocação do mártir em período anterior às invasões muçulmanas.
E desde o século VIII até ao século X, a proliferação de igrejas dedicadas a S. Vicente é notável por toda a Hispânia: cite-se apenas Oviedo, onde em 761 são depositadas umas relíquias trazidas de Valência.
Por estas brevíssimas notas, é evidente a espantosa difusão que o culto a S. Vicente alcançou nos séculos anteriores à nossa nacionalidade. Ora, sucede que os inícios do reino de Portugal, e, em particular, a cidade de Lisboa, estão indissociavelmente ligados ao diácono de Saragoça.
Já antes da conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques, temos notícia da existência de basílicas dedicadas ao mártir no que será mais tarde território português.
Enfim, a documentação medieval identifica noutras regiões outras igrejas sob a invocação do mártir que podem remontar a período anterior a meados do século XII.
Em Lisboa, a mais antiga atestação remonta ao tempo do nosso primeiro rei. Ao sitiar Lisboa em 1147, D. Afonso Henriques fizera o voto de, se a cidade lhe caísse nas mãos e os infiéis fossem aniquilados, mandar construir dois mosteiros junto a dois cemitérios que se revelavam necessários para sepultar os cruzados que sucumbiam junto às muralhas do castelo.
Mas o que liga intrinsecamente Lisboa a S. Vicente é a chegada das suas relíquias ocorrida em 1173. Conta a “Crónica de Al-Razi”, composta no século X, que conhecemos por intermédio de uma tradução portuguesa do século XIV feita a mando de D. Dinis, que, durante a perseguição de Abderramán I (756-788), o corpo de S. Vicente fora levado de Valência, onde estaria na antiga igreja sob sua invocação, para o Promontório Sacro, hoje Cabo de S. Vicente, em Sagres.
Diga-se que Lisboa não era a única cidade a presumir ter o corpo do mártir. Aimoin de Saint-Gerrnain-des-Prés conta que o corpo do mártir fora trazido, em 863, de Valência para Castres, uma cidade no sul de França.
O mártir de Valência tornou-se assim o padroeiro de Lisboa, sendo o dia da chegada do seu corpo celebrado na liturgia e em animadas festas populares (15 de setembro). E este dia, que no século XIX mudou para 16 de setembro, foi comemorado até recentemente.
A memória de S. Vicente, padroeiro principal do patriarcado de Lisboa e da diocese do Algarve, é evocada pela Igreja a 22 de janeiro. Neste dia, no ano 2000, o atual patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, recebeu a ordenação episcopal.
Fonte: Paulo Farmhouse Alberto /Publicado em 21.01.2015, no site www.snpcultura.org
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