Não sou muito conhecido pelo meu sorriso, apesar disso gosto de uma boa gargalhada. Por estes dias negros mais sisudo tenho sido, menos vontade de rir tenho tido.
Considero que o pior dos estados de espírito é a angústia. Não é propriamente tristeza, nem tao pouco indisposição e certamente não será indiferença.
Angústia é um choro interior que nos magoa e que com o tempo nos consome silenciosamente.
Nestes dias negros para a humanidade, repletos de insanidade, barbaridade e acima de tudo de profundo sofrimento, é este o estado de espírito – angústia.
Tudo o que naturalmente nos faria sorrir, tudo aquilo que deveria ser proveitoso, é invariavelmente como que por nós próprios censurado. Censurado por uma consciência que perante tanto sofrimento se questiona se somos merecedores de tal privilégio.
Consciência que é assaltada perante as imagens do terror, as lágrimas dos inocentes e a coragem daqueles que oferecem a vida não apenas pela sua pátria, mas em última instância pela sua dignidade. Dignidade que lhes nega a fraqueza de uma capitulação oferecida ao agressor.
Uma fraqueza que não encontra espaço onde só a coragem se impõe. Coragem dos homens que ficam para lutar pela terra que lhes pertence e a coragem das mulheres que partem dos seus lares com pouco mais do que a roupa do corpo e com aquilo que mais lhes é precioso, os seus filhos.
A imagem de uma mulher em fuga que na sua frente empurrava um carrinho de bebe enquanto que com a mão que lhe sobrava puxava uma mala, faz-nos questionar se algum dia chegámos mesmo a ser corajosos. Quando o jornalista lhe perguntou se ela precisava de alguma coisa, ela respondeu que a única coisa que precisava era paz. Ainda não sabia qual seria o seu destino e como não conhecia ninguém fora da Ucrânia, o seu rosto estampava a desorientação e o desamparo. Lá seguiu, numa mão o filho, na outra a mala – espero que ela encontre a paz que pediu.
Depois há os filhos que ficam, os maiores de idade. Muitos acompanham as suas mães até às fronteiras dos países que acolhem aqueles que fogem do conflito. Quando chega a hora da despedida assistimos à inimaginável dor que uma mãe sente quando se separa do seu filho para o entregar à guerra, provavelmente à morte. Não há semente mais vingadora do que arrancar um filho dos braços da sua mãe. Elas poderão não pegar em armas para combater esta guerra, mas serão com certeza portadoras do pior odio de que qualquer inimigo poderá recear.
Os homens ficam junto das famílias até ao derradeiro instante pois sabem que este poderá ser o último. As crianças choram sem entenderem, só conseguem ver os irmãos mais velhos e os pais partirem e voltam-se para as mães, o seu refúgio. Mulheres corajosas. Muitas engolem as lágrimas para não perturbarem ainda mais os filhos. Aqueles que não tem idade para combater ficam com as mães, mas já entendem o drama. Estas são também sementes de vingança. Poderão ter que esperar ainda alguns anos para germinar, mas quando germinarem, nascerão os soldados que farão as próximas guerras.
As guerras não provocam apenas a destruição e o sofrimento no tempo em que decorrem, semeiam também os conflitos do futuro. A guerra é algo de tão pernicioso que muitas vezes se perpétua pelas gerações futuras. As armas e as munições cumprem a sua função de morte na hora do combate, o sofrimento e o trauma que provocam continuam a matar os que sobreviverem.
Texto de João Carlos Guimarães
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