Opinião

Algumas notas a propósito da derrota do Ocidente no Afeganistão

Participámos como nação aliada da NATO, muito ativamente na guerra do Afeganistão, e na sua reconstrução, muito em especial na capacitação das suas Forças Armadas, onde inclusive tivemos dois mortos, um graduado do RI1 e uma praça paraquedista.

Não estive no Afeganistão, mas participei na reconstrução do Iraque, na reforma do seu setor de segurança, ou seja, na capacitação duma Forças Armadas modernas. Pelo que sei no Afeganistão foi seguido o mesmo modelo americano, chapa 4, ou seja, uma imposição dum modelo ocidental espúrio à sociedade, à cultura, às Forças Armadas e de Segurança Afegãs, que não são nacionais mas tribais, pertencem aos Senhores da Guerra.

Os militares americanos e da NATO trabalhando dia e noite, esforçando-se, por vezes zangando-se com a contraparte Iraquiana que não queria ou não tem capacidade para compreender o que se lhes pede, era o denominador comum.

Formar Comandantes de Divisões, a partir de guerrilheiros sem formação, é um esforço inútil.

Formar pessoal para trabalhar em estados maiores conjuntos, digitais, com todo o material de topo, é outro esforço inútil, pois o pessoal não tem capacidades, nem querem ter para neles trabalhar, e estes só funcionam enquanto os diligentes e assessores dos USA ou da NATO fizerem o trabalho, que deveria competir aos nacionais.

Formar soldados para trabalhar com material sofisticado, é perder tempo, pois estes não têm ou não querem ter capacidades para deles tirarem rendimento.

Os oficiais, sargentos e praças, à frente dos assessores militares ocidentais, concordam com tudo o que eles disserem, por eles pertencerem às tropas invasoras e de ocupação, mas por trás nada fazem, nem querem fazer do que aparentemente acordaram.

A motivação dos quadros e soldados é nula, e só ingressam nas FA’s por necessidade de emprego e porque o salário é garantido pelos USA, nada garantindo que continuaria a ser pago.

A saída das tropas invasoras provocou o colapso de todos os sistemas de comando e controlo digitais, e de todas as Forças Armadas, impreparadas tecnicamente para com elas trabalhar.

Para além do que afirmo, ao impormos um modelo de estrutura e de FA’s, que nada tem a ver com a cultura local, esse modelo só poderia estar votado ao insucesso, ao fracasso, como se verificou, pois colapsou no intervalo duma semana.

Para finalizar e para completar o desastre, o abuso de autoridade das chefias, o desvio de verbas e a corrupção, em muito contribuíram para o desfecho do drama.

Em Portugal, temos tido uma experiência semelhante com a proteção civil, que por razões semelhantes funciona com muitas deficiências, mas isso dará para outra crónica.

O colapso do Afeganistão era anunciado. Não se despeja material de tecnologia de ponta, numas Forças Armadas da idade da pedra e sem qualquer tipo de preparação.

Nuno Pereira da Silva

Coronel de Infantaria na Reserva