Esta semana, dando continuidade a alguns trabalhos sobre figuras da região, fomos ter com Alexandra Fortes, figura da Ericeira, desconhecida para muitos, mas com uma projeção crescente que ultrapassa em muito as fronteiras do concelho de Mafra.
Neste trabalho, para além do seu invejável currículo musical, pretendemos dar a conhecer um pouco mais do mundo da Alexandra. Para sair um pouco daquilo que vemos nas publicações da maestrina e redes sociais, propusemos um desafio adicional à Alexandra, nas fotos que fizemos na Ericeira, usou modelos do estilista António da Silva, também ele, figura da região com créditos além fronteiras.
Como já tínhamos referido, Alexandra Neves Fortes é uma jovem maestrina portuguesa, com formação em Clarinete e Formação Musical pelo Conservatório Nacional de Lisboa. Atualmente, é mestranda em Direção Coral na Escola Superior de Música de Lisboa, onde também estuda Direção de Orquestra de Sopros. Complementou sua formação com estudos no Kodály Institute (Hungria) e em várias masterclasses.
Foi membro de importantes coros, como o Coro Sinfónico Lisboa Cantat, e já trabalhou com diversos maestros renomados. Como fundadora e diretora do Ensemble Corteto, tem dirigido coros infantis e juvenis. É também professora de Coro e Formação Musical no Conservatório de Música de Mafra e Torres Vedras. Ganhou vários prémios em competições internacionais, como o 1.º lugar no Valencia Awards Music Competition em 2021.
Muito mais poderíamos dizer do currículo desta maestrina, mas, se lhe despertou o interesse, aconselho uma visita ao seu site em Alexandra Neves Fortes | Conductor.
Pela curiosidade que a personagem e personalidade da Alexandra nos despertou, conduzimos a entrevista que a seguir partilhamos com os leitores.
Quem é a Alexandra fora da música?
Fora da música, sou mãe, filha, neta, amiga e cidadã, com a família e os amigos como os meus maiores pilares. A minha fé católica guia os meus passos e é a base dos valores em que acredito. A frase do Papa Bento XVI “Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza” inspira-me diariamente e lembra-me que a beleza também se revela nas pequenas coisas do quotidiano. Para mim, manifesta-se especialmente na música e na maternidade – vocações que abraço com muito amor, entrega e propósito – mas também nas coisas simples que aprecio, como estar com amigos, desfrutar de uma boa refeição, praticar desporto ou simplesmente estar ao pé do mar.
Como é que começou a sua relação com a música? O que a inspirou a seguir a carreira de maestrina?
A música fez sempre parte da minha vida, tanto no ambiente familiar quanto na minha formação. O meu bisavô materno, Joaquim Caetano, foi clarinetista na Banda da Ericeira; o meu avô paterno, Luiz Fortes, era guitarrista, e o meu pai seguiu também a carreira musical. Cresci imersa nesse contexto, o que teve uma grande influência no meu percurso pessoal e profissional. Comecei a estudar música aos seis anos na Filarmónica Cultural Ericeira. Aos dez, entrei para a Escola de Música do Conservatório Nacional, onde iniciei o Curso Básico de Clarinete. Mais tarde, fiz o Curso Secundário de Formação Musical, em ensino integrado, e segui para a Escola Superior de Música de Lisboa, onde me licenciei em Direção Coral e Formação Musical. Atualmente, continuo o meu percurso académico com o Mestrado em Direção Coral e a Licenciatura em Direção de Orquestra de Sopros. Ao longo da minha formação, cantar no coro teve um papel decisivo no caminho que escolhi. Foi nos concertos, especialmente nos de coro e orquestra, que percebi o quanto me fazia feliz fazer música e que era isso que gostaria de fazer profissionalmente. Com o tempo, o desejo natural de liderar, de me expressar e de criar beleza em conjunto, através da música, levou-me a seguir a direção musical.
Quais foram os maiores desafios que enfrentou enquanto construía a sua carreira como maestrina?
Conciliar a música, a maternidade e a vida pessoal tem sido um dos maiores desafios da minha carreira como maestrina. A música exige dedicação plena, com muitas horas de estudo, ensaios e concertos, além de deslocações e compromissos que tornam difícil equilibrar com as responsabilidades familiares. No entanto, com o tempo e com as prioridades bem definidas, tenho conseguido gerir melhor esse equilíbrio.
Como lida com a pressão de reger uma grande produção? Existem técnicas que usa para manter a calma e o foco?
É natural sentir alguma pressão, mas acredito que a chave para lidar com a mesma está na preparação e na confiança no processo. Antes de cada concerto, há todo um trabalho invisível: o estudo detalhado da partitura, que vai além dos aspectos técnicos, procurando compreender as intenções da obra e as emoções que a mesma transmite. Em seguida, vem o trabalho com o coro ou com a orquestra, integrando essa visão de forma coesa. Durante a performance, a confiança no grupo e no trabalho em conjunto é essencial para manter a serenidade e a entrega total à música. Isso permite que a pressão se dissipe, e nos deixemos guiar pela beleza do que criamos juntos.
Pode falar-nos sobre alguma performance ou concerto que a tenha marcado de forma especial?
Tive a felicidade de viver muitos concertos especiais ao longo da minha vida, tanto académica quanto profissional. Destaco um concerto que se realizou no meu dia de anos, dia 15 de janeiro, logo após o confinamento. A Igreja Paroquial de São Pedro, na Ericeira, estava cheia para ouvir o Ensemble Corteto interpretar o Concerto para Fagote e o Gloria, de Vivaldi. Foi a minha estreia à frente de uma orquestra, num concerto de coro e orquestra, e o ambiente único, com a sala repleta de amigos, moradores da região e entusiastas da música, ansiosos por assistir a um concerto ao vivo depois de tanto tempo, tornou o momento ainda mais especial. Outro momento marcante foi a minha participação na Jornada Mundial da Juventude, onde tive o privilégio de conhecer e de trabalhar com a maestrina Joana Carneiro, uma grande inspiração para mim. A JMJ foi uma experiência espiritual que não só me inspirou musicalmente, mas também me tocou de uma forma profundamente pessoal, deixando uma marca que guardarei para sempre.
A música é uma linguagem universal. Acredita que a música pode influenciar ou transformar a sociedade e como?
Como professora do ensino artístico especializado nos últimos 10 anos, tenho vivenciado na prática o impacto da música na formação de crianças e jovens. Tenho tido a alegria de contribuir para a aprendizagem e a descoberta da beleza da música, ajudando muitos a encontrar esta forma de expressão única, tanto como professora quanto como maestrina. Acredito que a música tem o poder de influenciar e transformar a sociedade, e por isso defendo que a cultura e a música devem ser uma prioridade nas políticas públicas. Uma sociedade que valoriza a cultura torna-se mais consciente, unida e sensível às questões que realmente importam. Devemos começar desde cedo a investir na educação artística, criando as bases para uma sociedade que, enraizada nas suas tradições, se abre ao futuro com sensibilidade e criatividade.
Qual foi o momento da sua vida em que sentiu que a sua carreira e a sua identidade estavam mais alinhadas?
Sempre que consigo ver o impacto da beleza da música nos outros – seja num músico, num público emocionado ou numa experiência que une as pessoas. Quando a minha vocação e os meus valores se encontram, sei que estou no caminho certo. Saber que estou a contribuir para uma sociedade culturalmente mais rica e para a educação das próximas gerações dá-me um sentido de missão muito forte.
Quais são os valores ou princípios que a guiam na vida, tanto pessoal quanto profissionalmente?
Os valores que me guiam são a fé, a família, a responsabilidade, o serviço e a lealdade. Acredito que a música deve ser vivida com entrega e verdade, e que a liderança deve ser exercida inspirando os outros, com respeito, responsabilidade e compromisso em servir. Guio-me por estes princípios tanto na minha vida pessoal quanto na profissional, onde procuro ser um exemplo de humildade, cuidado e dedicação aos outros.
O que acha da ideia de que a música clássica é “só para um público específico”? Acha que a acessibilidade da música precisa de ser repensada?
Acredito que a música erudita não deve ser vista como algo exclusivo ou reservado a um público específico, mas sim como uma expressão cultural que pode tocar e transformar a vida de qualquer pessoa. Se queremos uma sociedade mais culta e desenvolvida, precisamos investir na democratização da música. Isso passa por uma educação musical mais forte e pelo apoio a projetos que levem a música a diferentes públicos e locais. A cultura não pode ser um privilégio, deve ser um pilar de desenvolvimento social, e a acessibilidade à música é uma das formas mais poderosas de alcançar isso.
Qual é a sua maior ambição, tanto na sua vida pessoal quanto na carreira de maestrina?
Na minha vida pessoal, a minha maior ambição é continuar a crescer na fé e ser, para a minha família, especialmente para o meu filho, um exemplo constante de amor, dedicação e apoio, alguém cujos valores ele possa admirar e seguir ao longo da vida. Como maestrina, a minha ambição é continuar a criar beleza através da música, com o propósito de inspirar e tocar as pessoas. Quero também contribuir para uma sociedade onde a música e a cultura sejam valorizadas, respeitadas e preservadas, ajudando a construir um ambiente onde a arte seja uma fonte de transformação e união.
Se tivesse a oportunidade de conversar com um compositor histórico, quem escolheria e o que gostaria de perguntar?
Escolheria J. S. Bach, sem dúvida. Costumo dizer que, se só pudesse escolher um compositor para ouvir o resto da vida, escolheria Bach. A sua música é profundamente espiritual. Perguntar-lhe-ia de onde vinha a sua inspiração e se sentia que a sua fé e ligação com Deus tinha influência na música que escrevia.
Fotografias e texto de Carlos Sousa/ KPhoto

Adicionar comentário