Geral Opinião

A Parada de Pequim e a Distorção na Memória Histórica

Ontem, na grande parada em Pequim que celebra a vitória sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial, não houve participação dos Estados Unidos, embora seja uma omissão significativa, dado o papel crucial que tiveram no teatro do Pacífico, desde Pearl Harbor, passando pelas bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki, até à rendição japonesa a bordo do couraçado USS Missouri, sob a autoridade do general Douglas MacArthur. Não incluir essa presença histórica constitui, verdadeiramente, uma mistificação da memória coletiva.

A parada militar foi, no entanto, impressionante destacaram-se a coreografia, a apresentação de meios militares tanto cinéticos quanto não cinéticos (como a possível utilização de lasers letais), produzindo um espetáculo visual mais impactante que a parada promovida por Donald Trump no dia do seu aniversário. Enquanto aquele segue um padrão cerimonial limitado, Pequim parece ter elevado esse tipo de exibição militar a uma forma de afirmação estratégica e simbólica.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a China raramente entrou diretamente em guerra. Seu último conflito declarado foi a Guerra Sino-Vietnamita, em 1979, seguida por uma série de escaramuças fronteiriças entre 1979 e 1991, mas nenhuma guerra em grande escala desde então.

Em contraste, os Estados Unidos participaram de dezenas de conflitos diretos ou intervenções militares desde 1945. Uma fonte documenta 32 guerras envolvendo o país, categorizadas como invasões, guerras civis ou conflitos de múltiplos alvos  . Outra fonte sustenta que os EUA deram início a 201 disputas armadas entre 1945 e 2001, representando cerca de 81 % dos conflitos globais nesse período  .

Essa diferença evidencia que, enquanto a China manteve um longo período de não agressão formal, os EUA estiveram consistentemente ativos militarmente no pós-guerra.

Com esses antecedentes, a narrativa de comemoração em Pequim, sem referência aos Estados Unidos, é incompleta: ignora atalhos históricos importantes e perpetua uma visão unilateral dos acontecimentos.

Ainda assim, é notável como a China se transformou desde então: aproveitando sua relativa paz externa, impulsionou sua economia, industrializou-se e se tornou credora de várias nações até dos próprios EUA. Hoje se apresenta como uma superpotência que valoriza mais o soft power do que o hard power uma trajetória que, espera-se, continue marcada pelo crescimento pacífico e pela cooperação internacional.

Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma