Geral Opinião

A Gramática da Diplomacia Predatória

Na minha opinião, Putin, essa velha raposa da política euroasiática, conseguiu exercer sobre Trump uma influência decisiva. Tudo indica que manteve contatos com ele antes de qualquer interlocutor europeu e que alcançou aquilo que sempre procurou, uma aceitação tácita do controlo russo sobre o Donbass em troca da partilha das suas incomensuráveis riquezas. Foi precisamente essa ideia que Trump transmitiu a Zelensky, apresentando-a como garantias oferecidas com uma convicção quase dogmática de que Putin jamais atacaria cidadãos ou trabalhadores americanos que ali operassem, e nem Zelensky nem os europeus consideraram tais promessas credíveis.

Putin compreendeu com lucidez o que movia Trump e revelou maior argúcia do que Zelensky ou os responsáveis europeus, que só agora percebem a dimensão da jogada. Trump não se rege por qualquer código de ética, nem se preocupa com regras, tratados ou processos estruturados. Prefere iniciativas improvisadas que lhe permitam apresentar um sucesso imediato, ainda que frágil ou ilusório.

A divisão efetiva das terras férteis e cobiçadas do leste ucraniano encontra-se consumada. Em contrapartida, ambos aproximam-se de um entendimento destinado a ser apresentado como grande triunfo diplomático, a revisão ou extensão do acordo START, que Trump exibirá como prova da sua capacidade de renovar a arquitetura de controlo de armamentos.

O que aqui se desenha é um exemplo claro do que poderíamos chamar Diplomacia Predatória. É uma forma de atuar em que o público e o privado se confundem, princípios e garantias se tornam instrumentos de conveniência, negociações internacionais se comportam como apropriações de recursos e territórios, e o bem comum se transforma em objeto negociável. Situações insólitas e improváveis tornam-se rotina, revelando uma lógica de poder extrema, marcada pela arbitrariedade, pelo oportunismo e pela imprevisibilidade. Esta forma peculiar de negociar de Trump será certamente estudada na Academia, não apenas pela singularidade, mas pelo impacto que tem na configuração estratégica do sistema internacional. No fim, embora evoque sempre uma retórica sobre a alegada ausência de valores na Europa, embarca num discurso cuja cadência e intenção já ouvi há uns tempos a Putin.

A Diplomacia Predatória que aqui proponho ultrapassa expressões simplistas como diplomacia transacional. Esta última sugere simetria negocial ou mera troca de interesses, quando, na realidade, trata-se de um fenómeno muito mais profundo e corrosivo. A Diplomacia Predatória descreve um tipo de atuação em que o Estado substitui reciprocidade por domínio, equilíbrio por oportunismo e direito por poder. Não há transação, há captura; não há entendimento, há predação. O que se observa não é o declínio da diplomacia tradicional, mas a sua metamorfose num instrumento de apropriação estratégica e simbólica.

Nuno Pereira da Silva

Coronel na Reforma

Acerca do autor

Nuno Pereira da Silva

Coronel de Infantaria na Reserva

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