Geral Opinião

A diabolização do inimigo na Ucrânia dificulta o trabalho da Diplomacia

Foto: DCM

Na Grande Guerra do Norte travada entre 1700 a 1720, o Império Sueco perdeu parte dos seus territórios para o Czarado de Pedro o Grande, que incluíram São Petersburgo e parte da zona que hoje pertence à Ucrânia, e que os russos querem recuperar. A Batalha de Poltava vencida pelos russos foi fundamental para a derrota de Carlos XIII, na altura o Imperador Sueco que estava coligado com os Cossacos.

A invasão da Ucrânia é para Putin uma guerra de reconquista de território, que já foi russo e que este considera russo, tal como considera russo São Petersburgo, contra os ucranianos. Os ucranianos, por sua vez em termos teóricos, estão a travar uma guerra de libertação contra um invasor, pelo que estamos perante dois conceitos importantes para caraterizar a guerra na Ucrânia, uma guerra de conquista versus uma guerra de libertação.

Esta guerra também tem, em termos morais, levantado o problema da guerra justa e da legítima defesa, em que ambos os lados têm invocado estes dois conceitos do âmbito da moral, invocando a justeza das suas ações, Putin quer defender-se do avanço da NATO, que considera sua inimiga, e Zelensky alega a ilegalidade da invasão e a imoralidade da mesma, ambos demonizando o inimigo, algo que dificultará muito o processo de paz, pois dificilmente alguém negoceia com o diabo.

Esta guerra moral que tem sido travada entre os dois beligerantes, tem sido fundamental para a criação duma identidade ucraniana, que normalmente se forja quando há um inimigo forte, e tem feito com que a língua ucraniana se sobreponha à língua russa, língua falada em todo o território Ucraniano até ao início da invasão, tendo a preservação da língua e cultura Russa sido também uma das razões invocadas por Putin para a Invasão.

A invocação moral do bem e do mal como justificação da guerra, também deu origem ao cisma que ocorreu entre a Igreja Ortodoxa russa e a recente e a nova autónoma Igreja Ortodoxa ucraniana, ambas invocando a justeza das ações de ambos os contendores.

Para o Ocidente, a invasão da Ucrânia é ilegal, pois não respeita o Direito Internacional nem a Carta das Nações Unidas, justificação que partilho, pois a força do direito tem de ser superior ao direito da força, e a legalidade tem que se sobrepor aos conceitos morais invocados por ambos os contendores, muito embora paradoxalmente, a moral seja normalmente uma fonte do direito.

O desfecho desta guerra não parece estar para breve, no entanto, diabolizar o inimigo, combatendo-o invocando a moral e usando a religião como seu instrumento, dificultará muito o futuro estabelecimento duma paz duradoura

Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma