Geral Opinião

A Casa dos Segredos

O comentário político na televisão portuguesa tornou-se um ritual previsível, uma espécie de Casa dos Segredos com gravata e pose séria.

Em vez de análise, encenação. Em vez de confronto de ideias, variações sobre o mesmo tema, sem sair da linha dominante.

A maioria dos comentadores não são observadores externos. São figuras ligadas aos próprios canais, sujeitos à lógica interna dos media e à delicada gestão de consensos. Sabem o que podem dizer e sobretudo o que devem calar. Comentam como se estivessem a jogar um papel: o do especialista indignado, o do moderado sensato, o do geoestratega em pose grave. Tudo dentro do guião. Ninguém se afasta demasiado da narrativa dominante, especialmente em temas como a guerra na Ucrânia, a relação com os Estados Unidos ou o apoio irrestrito a certos aliados. A crítica séria é substituída por ruído seguro.

Alguns até acreditam no que dizem. Outros limitam-se a repetir a linguagem dominante: “avanço diplomático”, “recuo táctico”, “vitória do Ocidente”. Fala-se de geopolítica com o tom de um relato desportivo. Ganha-se tempo de antena, perde-se densidade.

A liberdade de análise não se compadece com este modelo. Comentadores contratados ou dependentes do espaço mediático raramente arriscam contrariar o sentido do vento. A recente desautorização pública de um comentador em direto, por ter defendido uma posição incómoda, ilustra o limite do tolerável. A lição é clara: pode falar-se de tudo… desde que se diga o que convém.

Entretanto, temas centrais desaparecem da agenda. A erosão da autonomia estratégica da Europa, por exemplo, é varrida para debaixo do tapete mediático. Ursula von der Leyen assinou compromissos estruturais com os Estados Unidos sem debate interno, num gesto que compromete décadas de esforço europeu. Mas disso quase ninguém fala.

O comentário político podia ser um serviço público mas exige tempo, liberdade e espírito crítico. Enquanto for tratado como espetáculo, continuará a parecer uma casa fechada, onde tudo se diz… sem que nada se ouça verdadeiramente.

Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma

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Nuno Pereira da Silva

Coronel de Infantaria na Reserva

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