Geral Opinião

A guerra sem negociação

A ideia de negociação pressupõe sempre cedências mútuas. Quando nenhuma das partes pode ceder no essencial, a negociação deixa de ser possível. É este o dado central que hoje define a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, não apenas no plano político e militar, mas num nível mais profundo, existencial e identitário.

Nem Kiev nem Moscovo cederam em nada de substantivo. A postura de Zelensky tem sido politicamente inteligente, sobretudo na relação com Donald Trump, através de uma narrativa de aparente abertura que nunca toca no núcleo das posições ucranianas. Funciona na comunicação, mas não produz negociação real. O impasse permanece intacto.

A Ucrânia exige um cessar-fogo prévio. A Rússia reclama um acordo político fechado antes de qualquer suspensão das hostilidades. Quem acredita estar a ganhar no terreno não aceita parar; quem precisa de tempo procura congelar o conflito. A questão da NATO, as garantias de segurança fora da Aliança e a ambiguidade territorial mostram que ninguém está disposto a abdicar do essencial.

Mas o problema é mais profundo do que um simples bloqueio diplomático. Para a Ucrânia, esta guerra tornou-se existencial. A invasão russa funcionou como momento fundador de uma identidade nacional clara e consolidada. Ceder território ou aceitar soluções ambíguas não seria apenas uma concessão política, mas uma negação da própria existência do Estado enquanto sujeito soberano.

Do lado russo, a cedência é igualmente impossível. O regime construiu a sua legitimidade interna sobre a ideia de restauração histórica, de proteção do chamado mundo russo e de rejeição da humilhação estratégica do pós-Guerra Fria. Recuar significaria não apenas uma derrota externa, mas uma fratura interna do próprio sistema de poder.

Estamos, assim, perante uma colisão ontológica entre duas narrativas de ser incompatíveis. A Ucrânia afirma-se como nação plenamente autónoma. A Rússia afirma-se como potência histórica que não aceita perder definitivamente o seu espaço de influência. Quando o conflito atinge este nível, a negociação clássica perde sentido, porque deixa de existir um terreno comum onde compromissos possam ser construídos.

Do ponto de vista ético, a situação é igualmente paradoxal. A Ucrânia invoca legitimamente o direito à defesa, à soberania e à autodeterminação. A Rússia invoca uma ética de segurança e de equilíbrio estratégico, frequentemente instrumentalizada ao serviço do poder. Quando a ética deixa de limitar a violência e passa a legitimá-la plenamente, deixa de cumprir a sua função moral.

Sem cedências reais, não haverá paz. O conflito continuará até à exaustão, à rutura interna ou à imposição externa. Não por falta de propostas ou mediadores, mas porque, neste momento, nenhuma das partes pode deixar de ser aquilo que se tornou.

Nuno Pereira da Silva

Coronel na Reforma