Hannah Arendt, no julgamento de Eichmann, descreveu a banalidade do mal como a consequência de uma obediência sem pensamento: o mal praticado por quem abdica de pensar.
Hoje, porém, o perigo é outro.
Não é o de obedecer cegamente, mas o de deixar de distinguir o real do irreal, o humano do programado, o bem do mal.
Nas guerras contemporâneas, a morte desfila perante nós.
Centenas de corpos, cidades arrasadas, sofrimento transmitido em direto e a cores. Tudo se tornou rotina informativa.
A dor converteu-se em imagem, a imagem em ruído e o ruído em nada.
A morte deixou de comover, transformada em mero conteúdo que atravessa o ecrã e se dissipa na indiferença.
Mas é na realidade virtual que o perigo se adensa.
Ali constroem-se identidades paralelas e vidas alternativas que, não raras vezes, parecem mais suportáveis do que a realidade que habitamos.
Vive-se num estado de duplicidade: entre o que somos e o que projetamos, entre o que sentimos e o que simulamos.
E, nesse processo, o discernimento esvai-se.
Perde-se a noção de onde termina o jogo e começa a vida.
Nas plataformas digitais, o mal e a violência converteram-se em entretenimento.
Os jovens empunham armas virtuais, matam e morrem sem consequência, renascendo a cada instante.
O mal tornou-se reversível e, por isso mesmo, irreconhecível.
O verdadeiro perigo do nosso tempo não reside apenas na banalização do mal, mas na desagregação da consciência moral.
Esta desagregação não é simples decadência: é uma cisão interior, uma perda de unidade entre pensar, sentir e agir.
Quando a experiência moral se fragmenta, o indivíduo já não percebe a relação entre os seus atos e as suas consequências.
O real dissolve-se no virtual, o outro converte-se em imagem, e o mal deixa de ser escolhido: passa a ser apenas possível, indiferente, mecânico.
A desagregação da consciência moral define-se, assim, como o estado em que o ser humano, privado de referência ética e incapaz de distinguir o real do simulado, perde a consciência do valor da vida, a medida do sofrimento e o sentido do bem.
Nessa condição extrema, o mal deixa de ser ato e torna-se acontecimento.
Sem culpa, sem remorso e, sobretudo, sem consciência.
Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma












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