Depois de ouvir J.D. Vance vangloriar-se porque as Forças Armadas americanas abateram uma lancha rápida alegadamente carregada de droga e a caminho dos Estados Unidos, e ainda ter defendido que esta deveria ser uma das missões permanentes das Forças Armadas, confesso que fiquei siderado com tamanha boçalidade.
O senador do Ohio apresenta-se como intelectual de primeira água e político estruturado e culto. Mas, na verdade, a sua única contribuição para a cultura foi um romance autobiográfico, retrato de uma família desestruturada, com uma mãe aditiva, que se revelou um testemunho interessante, mas sem nada de verdadeiramente novo a acrescentar à literatura.
Sempre que oiço este senhor, quer na Conferência de Berlim, quer na Casa Branca, quando tentou acicatar Zelensky para uma resposta pública humilhante, quer agora, com esta afirmação atentatória dos direitos humanos, legitimando matar criminosos sem julgamento, cresce a minha preocupação. Não por Trump, que tem muitos defeitos, mas porque Vance é exponencialmente pior. Ideologicamente muito próximo de um ditador, sem respeito por nada, mal formado e perigoso.
Portugal, no combate ao narcotráfico, mobiliza a Marinha, as operações especiais dos Fuzileiros, a DEA e a Polícia Judiciária. Sempre em conjunto, para prender os traficantes e levá-los a julgamento, como mandam o Estado de Direito e as bases da nossa civilização. O que os EUA fizeram, neste episódio, é o contrário de tudo: é rasgar os fundamentos da justiça, do humanismo e da própria ideia de civilização ocidental.
Não é por acaso que as Forças Armadas, em qualquer parte do mundo civilizado, têm códigos éticos e regras de empenhamento. São eles que limitam o uso da força, distinguem combatentes de não combatentes, e asseguram que a guerra, sendo sempre violenta, não se transforma num ato bárbaro sem amarras. Quando esses códigos são ignorados, perde-se a fronteira entre civilização e selvajaria.
É esta inversão moral que nos deve preocupar: quando a violência se torna método, e a lei deixa de ser referência, o que resta é a barbárie.
Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma

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