A União Europeia, para alcançar verdadeira autonomia estratégica face aos Estados Unidos, terá inevitavelmente de dispor de uma capacidade nuclear própria que assegure a dissuasão contra qualquer Estado terceiro, em particular, a Rússia de Vladimir Putin que considere possível invadir território europeu.
No contexto geopolítico atual, a ameaça torna-se mais evidente com a perspectiva de Donald Trump regressar à presidência dos EUA. O discurso que proferiu ontem, amplamente difundido, deixou claro que qualquer ação de defesa da Europa por parte de Washington dependerá de esta pagar o “preço devido”. Esta visão transacional da segurança coletiva mina o tradicional pilar da defesa europeia assente no vínculo transatlântico da NATO.
Recentemente, ao abordar este tema com um camarada de armas francês, questionei-o sobre a possibilidade de França, única potência nuclear da União — assinar um acordo com as instituições europeias para estender a sua proteção nuclear a todo o território da UE. A resposta foi que tal só seria possível se todos os Estados Membros, ou a própria União como entidade, assumissem o custo correspondente.
Esta resposta surpreendeu-me, uma vez que o Tratado de Lisboa já contém uma cláusula de assistência mútua em caso de agressão armada contra qualquer Estado Membro (artigo 42.º, n.º 7 do TUE). No entanto, é evidente que, na prática, essa cláusula carece de mecanismos concretos de execução no domínio nuclear.
Historicamente, a doutrina de dissuasão nuclear consolidou-se durante a Guerra Fria, assente no princípio de destruição mútua assegurada (Mutually Assured Destruction, MAD): qualquer ataque nuclear seria respondido com força equivalente ou superior, garantindo consequências inaceitáveis para o agressor. Para tal, as potências nucleares desenvolveram a capacidade de segundo ataque, assegurando que mesmo após sofrerem um golpe inicial teriam meios suficientes para retaliar com igual ou maior intensidade. Este equilíbrio do terror, paradoxalmente, manteve a paz entre as superpotências durante décadas. Hoje, perante novas ameaças e lideranças políticas imprevisíveis, a lógica subjacente mantém-se válida.
Em minha opinião, é urgente que o Conselho Europeu discuta esta questão. Uma capacidade de dissuasão nuclear autónoma significa não apenas possuir o arsenal necessário para responder a um ataque nuclear inicial, mas também garantir que essa resposta teria efeitos igualmente devastadores. Sem essa credibilidade dissuasora, a União Europeia permanecerá dependente da vontade política de Washington e vulnerável às ameaças de potências hostis.
A autonomia estratégica não se constrói apenas com retórica: exige meios, decisões e a coragem de enfrentar o custo político e financeiro da verdadeira independência.
Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma

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