O título desta crónica é propositadamente coincidente com o nome do livro coordenado por Bagão Félix, em que vários pensadores Católicos escreveram, e que foi apresentado por Pedro Passos Coelho, tendo por esse facto merecido várias horas de análise nas televisões, por quem nem leu o livro mas comenta.Também não li o livro, mas o tema é apaixonante por isso vou tentar fazer um pequeno ensaio sobre o assunto.
As identidades normalmente forjam-se na oposição ao outro, na oposição ao que nos afasta e não ao que nos une, o outro pode ser desde o nosso adversário, rival, competidor, ou mesmo inimigo, quer a identidade seja vista do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista duma sociedade, que é o objeto que me interessa mais analisar neste ensaio.
A Europa Cristã expandiu-se forjou a sua identidade própria, em oposição aos mouros, aos sarracenos, primeiro, e posteriormente em oposição aos turcos, ou seja, realçando e enaltecendo as diferenças ao invés das muitas semelhanças, que temos por adorarmos o mesmo Deus, embora de formas diferentes. Essa identidade foi durante anos, e ainda é nalguns continentes uma identidade mortífera, como definiu Malouf no seu livro Identités meurtriéres.
A base da civilização Ocidental foi durante séculos a sua religião, com a sua doutrina própria, a doutrina da Bíblia, mas muito em especial o segundo testamento a base onde estāo inseridos os seus princípios dogmáticos, tais como a trindade de Deus, e sobretudo o mistério da Ressurreição de Cristo, e outros princípios que nāo sendo dogmáticos sāo princípios morais, importantes na estruturação de qualquer sociedade, tendo estes sido uma das fontes do direito que nos rege.
Neste contexto a sagrada família sempre foi o modelo imposto pela doutrina, mais tarde vertido em leis nos diferentes estados cristãos. A família cristã com pai, mãe e filhos, em que os progenitores se uniam através dum sacramento designado por casamento até à morte dum deles foi o modelo, a base e a principal fonte do direito, ou seja os princípios religiosos durante a teocracia eram impostos e mais tarde foram vertidos quais ipsis verbis para as sociedades em forma de leis, tendo estas só sido postas em causa e alteradas durante e após o iluminismo, muito em especial no fim do século XX e XXI.
O divórcio, o aborto, as famílias monoparentais, as famílias com progenitores do mesmo género, a identidade de género, a adopção por parte de homossexuais, enfim toda uma panóplia de novas leis que se fizeram para normalizar novas realidades, são à luz da igreja Católica imorais, algumas constituindo até pecados veniais e até mortais.Se consideramos que a imposiçāo da Xaria como lei única nalguns países muçulmanos é um contra-senso inaceitável, também temos de considerar rever algumas normas jurídicas que se baseavam no modelo da sagrada família, ou seja a nossa identidade outrora baseada na religião, e nela alicerçada durante séculos tem de evoluir. Malgrado eu me assuma como Católico e tente seguir o modelo da Sagrada família, nāo o posso impor aos outros, embora com eles concorde.
Salvaguardo que a reciprocidade nesta atitude, também deve existir, sobretudo de entre os defensores de novas ideologias.
Nuno Pereira da Silva
Coronel na Reforma
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