A febre da carraça no homem não se deve às carraças nem aos cães, mas sim à bactéria Rickettsia conorii. Previna esta doença.
A febre da carraça, também conhecida por febre escaro-nodular ou febre botonosa, é uma zoonose, ou seja, uma doença que pode ser transmitida dos animais ao homem.
É uma doença relativamente rara, mas que pode ser grave e mesmo fatal. Tem uma mortalidade associada que está estimada em 2,5%.
A doença é mais comum nos países da bacia Mediterrânica, África Subsaariana, Índia e ainda em países junto ao Mar Negro.
É frequente pensar-se que são as carraças a causa da febre da carraça no homem. No entanto, não são as carraças as principais responsáveis e muito menos os cães.
- A febre da carraça é causada por um microrganismo: uma bactéria de nome Rickettsia conorii
Transmissão da febre da carraça
Nas pessoas, a infeção acontece quando se é picado por uma carraça da espécie Rhipicephalus sanguineus que seja portadora, nas suas glândulas salivares, da tal bactéria Rickettsia conorii.
A carraça Rhipicephalus sanguineus, também conhecida como carraça do cão, é um parasita externo que tem como hospedeiros principais os cães.
No entanto, para uma carraça picar uma pessoa não precisa de lhe ser passada diretamente a partir de um cão. Até é mais provável que a carraça chegue às pessoas a partir da vegetação, por exemplo quando se passeia no campo ou em áreas com vegetação alta.
- Ou seja, podemos ter os nossos cães bem desparasitados e, mesmo assim, ser picados por uma carraça que transmita febre da carraça.
Tradicionalmente, a febre da carraça era mais comum nos meses quentes, por estes estarem associados a uma maior presença de carraças nos cães e nos campos.
Todavia, com as diferenças climáticas menos acentuadas entre as estações do ano e com as temperaturas elevadas a manterem-se pelo Outono e mesmo Inverno, é cada vez mais difícil estabelecer um período de risco para a febre da carraça.
Qual é o papel dos cães na febre da carraça?
As carraças podem transmitir vários microrganismos aos cães. Alguns podem provocar doenças graves e mesmo a morte dos animais. Mas isto não acontece com a Rickettsia conorii.
Durante algum tempo ainda se duvidou se os cães teriam um papel ativo no ciclo e na propagação da febre da carraça. No entanto, sabe-se hoje que os cães são realmente reservatórios competentes para a Rickettsia conorii.
Está demonstrado que os cães:
- Ficam infetados se forem picados por carraças da espécie Rhipicephalus sanguineus que sejam portadoras da bactéria Rickettsia conorii;
- Se estiverem infetados por Rickettsia conorii podem transmitir esta infeção a outras carraças que não estejam infetadas e que os piquem.
As carraças podem ficar infetadas pela Rickettsia conorii tanto a partir de um cão como de um qualquer animal silvestre.
- Pela sua proximidade e por serem o hospedeiro preferido da carraça Rhipicephalus sanguineus, os cães oferecem maior risco.
- Por isso, a proximidade de cães seropositivos, ou seja, que tenham anticorpos para a bactéria que é causa da febre da carraça, tem sido considerada como fator de risco para a doença no homem.
Alguns (poucos) cães infetados pela Rickettsia conorii podem desenvolver uma doença com um quadro clínico semelhante ao da febre da carraça humana. No entanto, a suscetibilidade dos cães para doença clínica (ou seja, com sintomas) é baixa e parece variar com a raça.
Prevenir a febre da carraça
Sabemos que mais de 70% das doenças humanas podem ser consideradas zoonoses. Por isso, o a cooperação entre todos os envolvidos nos cuidados de saúde humana e animal tem uma contribuição decisiva para prevenir e combater estas ameaças.
- A prevenção e/ou deteção precoce de infeções nos animais pode prevenir a sua transmissão ao homem ou a introdução de agentes patogénicos na cadeia alimentar.
A febre da carraça é uma doença exemplar para a demonstração da validade e da importância deste conceito de Uma Só Saúde.
A prevenção assenta, essencialmente, em boas práticas de saúde e higiene e que inclui, obviamente, a dos animais domésticos.
Nos animais
No que toca às carraças e à febre da carraça, manter o programa de desparasitação externa dos cães atualizado permite diminuir:
- O risco de os cães ficarem infetados pela bactéria Rickettsia conorii;
- O risco de transmitirem esta infeção a carraças não infetadas;
- A população de carraças potencialmente infetadas próxima do homem.
Além da desparasitação externa dos cães, aconselha-se também:
- Verificar regularmente se os cães têm carraças e adicionalmente após passeios em campos com vegetação alta, principalmente em regiões endémicas.
- Manter a vigilância regular dos animais pelo médico-veterinário, para evitar ou identificar precocemente a presença da bactéria Rickettsia conorii e instituir o tratamento adequado.
Não existem atualmente vacinas contra a febre da carraça (nem para os animais nem para o homem) e a prevenção com medicamentos não é recomendada.
Nas pessoas
As medidas mais importantes para prevenir a febre da carraça estão relacionadas com a permanência, por lazer ou trabalho, em zonas de vegetação alta, situação em que se deve:
- Usar peças de vestuário que cubram todo o corpo para evitar que as carraças atinjam a pele facilmente;
- Preferir peças de vestuário de cor clara para facilitar a identificação de carraças;
- Preferir sapatos fechados;
- Fazer uma inspeção cuidada da pele depois de estar nestes locais de risco, lembrando que as carraças são especialistas em se alojar (e picar) em zonas do corpo onde passam mais despercebidas.
- Conhecer os principais sintomas – aparecimento súbito, cerca de 1 semana depois da infeção, de febre alta, sintomas semelhantes a gripe, presença de uma escara preta e indolor no local da picada da carraça (que pode ser zonas de difícil visibilidade, como no couro cabeludo), alguns dias mais tarde erupção na pele com pequenas machas elevadas e vermelhas, que começa geralmente nos membros inferiores e acaba por cobrir praticamente todo o corpo – e saber que uma avaliação atempada por um médico é crucial pois o tratamento precoce é importante para a evolução e recuperação da doença.
Saiba também que
A febre da carraça é endémica na área mediterrânica. O sul da Europa é considerado a principal região endémica.
A doença tem sido associada à infeção natural por Rickettsia conorii nos cães desde que a febre da carraça humana foi descrita em 1910 em Tunes.
Estão reconhecidas atualmente 8 subespécies de Rickettsia conorii.
Em Portugal, a febre da carraça é causada por duas estirpes da bactéria: Malish e Israel. Estas estirpes apresentam pequenas diferenças antigénicas e fenotípicas e podem eventualmente causar sinais clínicos distintos e diferenças na gravidade da doença.
Adicionar comentário