Mais de 90% dos tumores do sistema digestivo estão relacionados com tabagismo, obesidade e tipo de alimentação, o que significa que podem ser evitados. Saiba como se pode prevenir.
Responsáveis por um terço de todos os cancros a nível nacional, os cancros digestivos afetam homens e mulheres e estão, sobretudo, relacionados com fatores de risco que podem ser controlados.
Conheça os vários tipos de tumores malignos do sistema digestivo que mais preocupam médicos e comunidade científica.
Cancro colorretal
O cancro colorretal (ou cancro do colón e do reto) é o mais comum na Europa e o 3º cancro mais comum no mundo.
A incidência e mortalidade variam muito de país para país. A Europa encontra-se no grupo de elevada incidência desta doença, facto que poderá ser atribuído ao tipo de dieta, à exposição ambiental e ao baixo nível socioeconómico de algumas populações.
Em Portugal, todos os dias são diagnosticados 27 novos casos de cancro colorretal, o que significa que por ano surgem cerca de 10 mil novos doentes.
Fatores de risco
A idade é o maior fator de risco para o cancro colorretal. É raro antes dos 40 anos e a incidência começa a aumentar de forma significativa entre os 40 e os 50 anos. A partir dessa idade, verifica-se um crescimento ajustado à idade por cada década que passa, sendo que 90% dos doentes diagnosticados têm mais de 50 anos.
A taxa de incidência e mortalidade é substancialmente superior nos homens do que nas mulheres.
Outros fatores de risco que se destacam são:
- Doença inflamatória intestinal
- Alcoolismo
- Tabagismo
- Obesidade
- Grande ingestão de carnes vermelhas e alimentos processados
Sintomas do cancro colorretal
Os sintomas podem ser discretos, mas os mais frequentes são:
- Dor abdominal
- Cansaço
- Anemia
- Alterações do trânsito intestinal
- Emagrecimento repentino e sem causa aparente
- Sangue nas fezes
Cerca de 20% destes tumores têm uma componente hereditária, que merece particular atenção.
Rastreio, diagnóstico e prognóstico
Em Portugal existe um programa de rastreio populacional bem definido, com pesquisa de sangue oculto nas fezes em indivíduos assintomáticos entre os 50 e 74 anos. Se este teste for positivo, a recomendação é a colonoscopia total.
Pessoas com um risco elevado para cancro colorretal (seja por fatores hereditários ou existência de doença inflamatória intestinal) devem iniciar o rastreio antes dos 50 anos, mais frequentemente, e com técnicas precisas (como a colonoscopia). Esta valoração do risco deve ser realizada pelo seu médico assistente.
Desde a década de 80 que se nota um declínio progressivo na mortalidade por cancro colorretal. Atualmente, a sobrevivência global dos doentes varia de 91% para os estádios localizados, a 14% nos estádios metastáticos, com média global de 63% aos cinco anos. Esta melhoria deve-se, em parte, aos rastreios estabelecidos, com deteção e excisão de pólipos atempadamente, deteção de carcinomas em estádios precoces mas também à realização de tratamentos sistémicos mais eficazes.
Prevenção
O cancro colorretal é um tipo de cancro que está muito associado aos estilos de vida e que, em boa parte, poderá ser evitado com a adoção de hábitos mais saudáveis, que diminuem o risco de vir a desenvolver esta doença.
Cancro do estômago
O cancro do estômago é um dos mais frequentemente diagnosticados no mundo.
A incidência tem vindo a diminuir nas últimas décadas, o que coincide com o aparecimento da refrigeração (associado a menor consumo de alimentos conservados em sal e de alimentos fumados) e com a melhoria das condições higienossanitárias.
Portugal é um dos países com a taxa de incidência mais elevada na Europa, representando o 4º tumor maligno em ambos os sexos.
Fatores de risco
Parecem estar associados ao risco acrescido de desenvolvimento desta doença:
- Consumo de alimentos salgados e fumados
- Exposição a nitrosaminas (composto químico presente nos enchidos e no tabaco)
- Consumo de carne processada
- Baixo consumo de peixe, fruta e vegetais
- Infeção por Helicobacter pylori
- Tabagismo
- Obesidade
A maioria dos casos de cancro do estômago está associada a estes fatores. Embora a incidência de casos na mesma família ocorra em 10% dos doentes, o fator hereditariedade neste tipo de cancro digestivo apenas é identificado numa minoria dos doentes (1 a 3%).
Sintomas do cancro do estômago
Os sintomas mais frequentes são:
- Emagrecimento repentino e sem causa aparente
- Perda de apetite
- Saciedade precoce
- Dor abdominal
- Dor à deglutição
- Anemia
- Hemorragia digestiva alta
Em estádios mais avançados pode ainda verificar-se:
- Aumento do volume abdominal por ascite (acumulação anormal de líquido no abdómen)
- Icterícia
Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico precoce associa-se a melhores resultados a longo prazo. Ao contrário do cancro colorretal, não existem ainda protocolos de rastreio definidos para o cancro do estômago. Por essa razão, a maioria dos doentes já se apresentam sintomáticos e com doença avançada aquando do diagnóstico.
A única terapêutica curativa é a cirurgia. No entanto, tendo em consideração que o diagnóstico é frequentemente feito em estádios já localmente avançados, a abordagem multimodal com quimioterapia e cirurgia é a melhor opção para estes doentes.
Com as novas técnicas terapêuticas e equipas experientes consegue-se uma sobrevivência global aos cinco anos de 45%, mesmo nos casos de doença mais avançada.
Quando falamos de doença metastática, as opções de terapêutica sistémica (quimioterapia ou terapêuticas alvo, entre outras) têm aumentado nos últimos anos.
Ser acompanhado por equipas experientes e especializadas permite um maior acesso a estas inovações, porque a abordagem multidisciplinar destas equipas permite avaliar cada doente como um só, de forma dinâmica, adequando as alternativas de tratamento (radioterapia, quimioterapia e cirurgia) para melhores resultados.
Cancro do Pâncreas
De acordo com dados da Global Cancer Observatory, o cancro do pâncreas é a 7ª causa de morte por cancro em todo o mundo, tanto em homens como em mulheres. Atinge maioritariamente pessoas de países mais industrializados.
Em Portugal, é a terceira neoplasia mais frequente do trato digestivo, precedida apenas pelo cancro colorretal e pelo cancro do estômago.
Fatores de risco
Existe uma maior prevalência do cancro do pâncreas no sexo masculino, sendo a mortalidade global mais elevada entre os 75 e os 79 anos.
Dois terços dos principais fatores de risco associados a este cancro são potencialmente modificáveis, oferecendo uma oportunidade para a prevenção da doença:
- Tabagismo
- Diabetes
- Obesidade
- Alcoolismo
- Profissões de risco (indústria do petróleo, metais, gás industrial, químicos)
- Pancreatite
Sintomas do cancro do pâncreas
Para esta patologia não existem rastreios populacionais estabelecidos. A isto juntam-se os sintomas inespecíficos e tardios, o que dificulta um diagnóstico precoce:
- Perda de peso ou a perda de apetite sem razão aparente
- Dor na região abdominal
- Icterícia
- Urina de cor escura e/ou fezes de cor clara
- Náuseas e vómitos
Diagnóstico e tratamento
À data do diagnóstico deste tipo de cancro digestivo, apenas 20% dos doentes são candidatos cirúrgicos e, mesmo nestes casos, a sobrevivência aos cinco anos é de apenas 30%.
Têm sido feitos esforços por todas as comunidades científicas para uma melhor compreensão e diagnóstico precoce desta doença. Para já, a importância das equipas multidisciplinares é fundamental para o sucesso terapêutico, que passa por intervenção cirúrgica, quimioterapia e radioterapia, adequando sempre o plano terapêutico a cada situação.
Cancro do Esófago
O cancro do esófago engloba os tumores que ocorrem em todo o esófago. É uma neoplasia agressiva, sendo o 8º cancro mais comum e a 6ª causa de morte por cancro no mundo. Mais de 80% destas mortes ocorrem nos países desenvolvidos.
Em Portugal, é a 11ª neoplasia mais frequente no sexo masculino, representando uma incidência de 2,3/100 mil habitantes e uma mortalidade de 3,4/100 mil habitantes.
Fatores de risco
É mais frequente no homem do que na mulher, numa proporção de 4 para 2. Quanto à idade, é mais frequente depois dos 50 anos, sendo que a idade mais incidente é por volta dos 65 anos.
Os fatores de risco mais associados ao cancro do esófago são:
- Tabagismo
- Alcoolismo
- Obesidade
- Infeção por papilomavírus humano
Sintomas do cancro do esófago
Trata-se de uma doença pouco sintomática nas fases iniciais. Por essa razão, 50% dos casos diagnosticados estão em doença avançada ou metastática.
Nas situações sintomáticas, a dificuldade na deglutição é o que mais compromete a qualidade de vida dos doentes. Esteja atento a:
- Dor ou dificuldade em engolir
- Perda de peso repentina e sem motivo aparente
- Regurgitação alimentar
- Dor no peito ou nas costas
- Tosse e/ou rouquidão prolongada
- Indigestão
- Sensação de queimadura
Tratamento
A decisão terapêutica depende do estádio e localização do tumor, tipo histológico (caracterização dos tecidos do tumor) e do estado geral do doente. Assim como ocorre com os outros tumores, o diagnóstico precoce e a conduta terapêutica adequada constituem parte fundamental do sucesso terapêutico e da sobrevivência a longo prazo. As opções são as mais variadas, incluindo principalmente a cirurgia e o tratamento não-cirúrgico com radioterapia e/ou quimioterapia.
Cancro do Fígado
O carcinoma do fígado (ou carcinoma hepatocelular) desenvolve-se tipicamente no contexto de doença hepática crónica, particularmente cirrose ou hepatite B.
O cancro do fígado representa a 4ª causa de morte por cancro no mundo.
Em Portugal, surgem mais de 1300 novos casos de cancro do fígado todos os anos, sendo mais frequente nos homens.
Fatores de risco
- Hepatite C e D
- Tabagismo
- Alcoolismo
- Esteatose hepática (“fígado gordo”)
- Diabetes mellitus
Sintomas do cancro do fígado
O facto de os sinais serem muito inespecíficos e tendencialmente associados a outras condições clínicas, pode fazer com que os sintomas apenas sejam valorizados num estádio já avançado:
- Aparecimento duma massa do lado direito do abdómen superior, abaixo das costelas
- Dor ou desconforto do lado direito do abdómen superior, abaixo das costelas
- Perda de apetite ou sensação de enfartamento
- Perda de peso sem razão
- Náuseas
- Vómitos
- Icterícia
- Fadiga sem razão aparente
Tratamento
O único tratamento com impacto a longo prazo na sobrevivência é a cirurgia. Uma abordagem por uma equipa multidisciplinar, que se dedique a esta patologia, confere melhores resultados.
Por estádio, a sobrevivência mediana aos cinco anos é de cerca de 32% em doentes com doença localizada, 10% com doença regional e 2% com doença à distância. Assim o que se pretende é um diagnóstico precoce, um estadiamento e abordagem célere.
Prevenção
A vacinação contra a hepatite e o tratamento da mesma, a dieta saudável, a atividade física e o tratamento adequado da diabetes e hipercolesterolemia ajudam na prevenção.
Esteja atento e procure ajuda
A prevenção dos cancros digestivos depende de si. Os tumores do sistema digestivo estão, sobretudo, associados a fatores de risco que podemos controlar e que são evitáveis como o tabagismo, a obesidade e o sedentarismo. Por isso, adotar um estilo de vida com hábitos mais saudáveis e uma alimentação equilibrada contribui para diminuir o seu risco de desenvolver um destes tipos de cancro.
É fundamental conhecer os principais sintomas e procurar atempadamente ajuda clínica especializada. Tratar os diferentes tipos de cancro digestivo requer uma equipa multidisciplinar com acesso a inovação e atenta às necessidades e expectativas de doentes e cuidadores.
Fonte: Mariana Malheiro Rodrigues – Oncologista (CUF)
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