Arte & Cultura

“1818” o livro


Livro revela que colónia no Brasil pode ter contribuído para o fim do concelho da Ericeira em Portugal

Em 1855, Portugal realizou uma grande reforma administrativa que pôs fim nos 626 anos de história do concelho da Ericeira. Um dos fatores que pode ter contribuído para a extinção do concelho da Ericeira foi a criação de uma colónia pesqueira no Brasil em 1818. É o que revela o livro “1818 — A história da colônia criada por Dom João VI que foi alvo de disputa entre brasileiros e portugueses no século XIX”, de autoria do jornalista Rogério Pinheiro. A obra será lançada no dia 26 de novembro, na Livraria Catarinense de Itajaí, Estado de Santa Catarina, Brasil.

O livro, editado pelo próprio autor, retrata a história da Colónia Nova Ericeira, criada por ordem de Dom João VI, no dia 25 de março de 1818, na Enseada das Garoupas, Sul do Brasil. Ao todo, cerca de 400 moradores da Ericeira, atravessaram o Atlântico para fazer parte da colónia, que ainda permanece desconhecida para muitos brasileiros e portugueses.

Entre os colonos estava Francisco José da Silva Ericeira, filho do fundador da colónia, Justino José da Silva. “O Ericeira”, como era conhecido, viajou com a família para a Enseada das Garoupas, em setembro de 1819, onde ficou por quase dois anos. O jagoz ajudou o pai na seleção dos colonos e teve participação ativa na Nova Ericeira.

A Revolução do Porto em 1820 e a Independência do Brasil dois anos depois, além do atrito da família com um grupo político de Santa Cataria, fizeram o projeto da Nova Ericeira naufragar antes mesmo do primeiro barco ir ao mar. A colónia pesqueira foi extinta em 1824, dando origem ao atual município de Porto Belo.

Justino retornou à Ericeira ainda em 1821. Já “O Ericeira” voltou para Portugal em dezembro de 1830. Estabeleceu-se definitivamente na Ericeira três anos depois, no fim da guerra pelo trono português entre os irmãos Pedro IV (liberal) e Dom Miguel (conservador). Lutou pelo lado vencedor (liberal) e isso facilitou o seu retorno à terra natal.

Ao retornar a Portugal em 1830, Francisco José da Silva Ericeira fez de tudo para apagar a sua participação na colónia fundada por seu pai em 1818. Ele escondeu esse segredo e outros do tempo que ficou no Brasil a sete chaves. No Brasil, o capitão residiu na cidade do Rio de Janeiro e em Campos, no norte fluminense.

Entre esses segredos estavam a sua nomeação pela então Câmara Municipal em 1819 e a intenção de transferir todo o aparato administrativo da Ericeira para o Sul do Brasil. O projeto da Nova Ericeira foi grandioso e só não deu certo devido aos acontecimentos históricos que seguiram após a sua fundação, por exemplo, a Revolução do Porto em 1820. 

O livro analisa os fatores que levaram o fim do concelho em 1855, que segundo o jornalista Rogério Pinheiro, foi mais uma decisão política do que técnica.

– A Comissão de Divisão Territorial deu parecer contrário à extinção e propôs ainda o aumento da área da antiga autarquia com mais duas freguesias do litoral norte. O motivo mais provável para o fim do concelho da Ericeira foi político – explica o autor.

Outro ponto importante abordado no livro é o envolvimento de Silva Ericeira no processo da perda do concelho em 1855. Francisco José levou a culpa pela extinção do município. Acusação considerada injusta para os escritores jagozes António Bento Franco e Jaime d’Oliveira Lobo e Silva, o mestre Jaime. Segundo Franco, a calúnia surgiu dos seus inimigos políticos. 

O escritor Luís Augusto Palmeirim, que chegou a conhecer o capitão, citou dois deles no Diário Ilustrado de Lisboa. Palmeirim escreveu para o periódico lisboeta, artigos intitulados “Cartas da Ericeira”, entre 15 de setembro a 29 de outubro de 1874. Um terceiro inimigo não citado por Palmeirim morava no Brasil, era senador do Império, a família tinha origem em Mafra e conhecia o ministro Rodrigo da Fonseca Magalhães, responsável pela perda da autonomia da Ericeira.

– Palmeirim cita em uma de suas cartas que uma influência externa e indireta foi responsável pela perda do concelho. Essa influência externa e indireta deve ter sido a Nova Ericeira, que o capitão tentou apagar do seu passado a todo custo. Também tem que levar em conta que Silva Ericeira não tinha mais influência na Corte. Havia perdido com a morte da rainha Maria II e a troca do ministro Bernardo da Costa Cabral pelo liberal conciliador Rodrigo da Fonseca Magalhães. A briga infantil com o presidente da Câmara Municipal na época, Joaquim Urbano de Carvalho, deixou a Ericeira vulnerável. Juntos eles poderiam ter lutado contra a tal “influência externa e indireta” citada por Palmeirim – conta.

Apesar de ter culpa pelo fim do concelho, Rogério Pinheiro acredita que o capitão foi chantageado por causa do seu envolvimento com a Nova Ericeira.

– O retrato do capitão em 1855 é de um homem abatido e a frente de um dilema. Além dos seus inimigos políticos em Portugal, tinha o tal senador no Brasil, que conhecia o seu passado e tinha interesse que a Nova Ericeira fosse esquecida. O Ericeira optou em ficar em silêncio, para que ninguém soubesse que tinha feito no Brasil. Talvez sonhasse em retomar sua influência na Corte e restabelecer o concelho mais tarde. Ele salvou seu passado, mas sacrificou o futuro da Ericeira – concluiu o jornalista.  

Pesquisa

Para produzir o livro-reportagem foram analisados mais de 10 mil documentos, entre registros paroquiais, periódicos, artigos e livros. Em Portugal, foram realizadas pesquisas in loco no Arquivo da Torre do Tombo em Lisboa, no Arquivo Público Dom Pedro V em Mafra e da Santa Casa de Misericórdia da Ericeira. No Brasil, as pesquisas foram centradas nos arquivos públicos do Estado de Santa Catarina, Municipal de Florianópolis e Municipal de Itajaí, além do acervo digital da Biblioteca Nacional e da Hemeroteca Catarinense. 

O autor

Jornalista formado pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Rogério Pinheiro é paulista da cidade de Guarujá (SP), mas reside há mais de 20 anos em Navegantes (SC). Já trabalhou em jornais e rádios do litoral norte catarinense. É autor do livro “A Nova Ericeira” e dos documentários “Ericeira: um mar de história” e “Navegantes”. Trabalha atualmente como produtor cultural, pesquisador e editor independente.

O livro “1818 — A história da colônia criada por Dom João VI que foi alvo de disputa entre brasileiros e portugueses no século XIX” deve ser lançado em Portugal em 2020. Já a versão em e-book estará disponível no www.amazon.com.br a partir do dia 15 de dezembro deste ano.

Foto Francisco José da Silva Ericeira/Ilustração de Daniel Manfredini